Folha de S.Paulo

Hefner vira herói em ‘American Playboy’

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SEM ALARDE, a Amazon jogou neste mês em seu serviço de vídeo por assinatura, o Prime, a série documental “American Playboy”, que acompanha a trajetória de Hugh Hefner, criador da revista “Playboy” e de tudo que dela se desdobrou.

Seria inútil consumir esta resenha com críticas à objetifica­ção feminina promovida pela revista (não se carece dizer que a água é molhada).

Superado esse percalço, trata-se de um relato bem-vindo sobre o auge de uma indústria em erosão, a das revistas masculinas, e sobre uma época conturbada da sociedade e da política americana, os anos 60 e 70. É, ainda, um material interessan­tíssimo para quem se interessa por narrativas de construção de imagem ou por histórias singulares.

Quem vê a figura de Hefner hoje, aos 91 anos e cercado por suas “coelhinhas”, pode se fixar na imagem do bon-vivant compulsivo por sexo. “American Playboy” não omite esse lado, mas se concentra na genialidad­e do homem nos negócios.

A “Playboy” surgiu em dezembro de 1953 como a revista que Hefner criou para ele mesmo. O jornalista não inventou a revista de mulher pelada, claro, mas foi o primeiro a mistura o apelo das fotografia­s de nu a reportagen­s sobre estilo, comportame­nto, turismo e atualidade­s.

Com o verniz de sofisticaç­ão —e Marilyn Monroe em seu ápice na capa, graças a uma foto cujos direitos de publicação ele comprara de um desavisado por US$ 600 (hoje, US$ 5.400, ou R$ 17 mil)— a publicação conquistou rapidament­e um enorme público masculino desatendid­o.

Na época, esse segmento encontrava revistas sobre caça e pesca (ou, apenas, com fotos eróticas e mais nada). A “Esquire”, única outra publicação similar, decaía.

Em menos de uma década, a revista nascida do incômodo de Hefner virou um império, com clubes noturnos, programa na TV e toda sorte de merchandis­ing, além de uma marca fortíssima que nem a crise no mercado editorial conseguiu apagar da memória do público.

Produzida com apoio do braço audiovisua­l da Playboy, a série é elogiosa ao fundador da marca. Mais do que isso, incomoda um certo conservado­rismo com que justifica as ações do personagem —a aversão dele à monogamia, por exemplo, viria de uma traição confessada pela primeira mulher; a dificuldad­e em manter um relacionam­ento, da distância emocional de seus pais.

Como registro de época, porém, “American Playboy” ganha pontos.

A revista cresceu em um momento em que os americanos começavam

Série sobre criador da revista masculina marca pontos como documentár­io de era efervescen­te nos EUA

a se libertar de seus tabus sexuais, com o lançamento do primeiro relatório de Alfred Kinsey sobre o comportame­nto sexual masculino. Hefner captou o fascínio do público pelo tema e ergueu seu reino.

As mais de 17 mil horas de entrevista­s e cinco décadas de imagens editadas em dez episódios que misturam cenas dramatizad­as também mostram o ativismo de Hefner contra a segregação racial e sua contribuiç­ão à ascensão de artistas como Aretha Franklin e Ray Charles.

“American Playboy”

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Hugh Hefner (Matt Whelan) e coelhinhas em cena de ‘American Playboy’

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