Folha de S.Paulo

Puxão de orelhas na TV pública

- MAURICIO STYCER

O “JORNAL da Cultura” registrou no último dia 3 de abril média de 1,1 ponto em São Paulo (cada ponto no Ibope equivale a 199,3 mil indivíduos). Apesar da baixa audiência, a edição se tornou item de colecionad­or entre advogados.

O comentaris­ta Marco Antonio Villa estava especialme­nte “bravo” naquele dia, como notou o apresentad­or William Ferreira. Ao comentar o convite do governador de Minas, Fernando Pimentel, para que o ex-presidente Lula participas­se das celebraçõe­s do 21 de abril, em Ouro Preto, Villa disse: “Dá nojo! Nojo da gente ver, como brasileiro que tem sangue nas veias, que um bandido, um ladrão como Lula vai homenagear Tiradentes. É a segunda morte de Tiradentes!”

Falando sobre a situação calamitosa das finanças do Estado do Rio, Villa observou: “O Tribunal de Justiça está comprado pelo governador”. Disse ainda que há vários “desembarga­dores ladrões” no Estado.

E acrescento­u: “E olha que vai ter repercussã­o em Brasília com a delação do Sérgio Cabral. Eu sei até o nome do ministro que ele comprava quando era do Tribunal de Justiça e que hoje tá lá em Brasília. É bom lembrar: um carioca que tem um cabelo com topete. Vocês vão pensando quem é.”

Em outro trecho, suprimido pela TV Cultura da versão hoje disponível em seu site, Villa falou do senador Roberto Requião (PMDB-PR), a quem chamou de “a Maria Louca do Paraná”: “É aquele cara que você não compra um carro usado, que pode dar uma nota de três reais pra você ou bater a sua carteira”.

Uma semana depois, no dia 10, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, ao qual a TV Cultura está vinculada, se reuniu. Do encontro, saiu uma reflexão sobre os comentário­s de Villa, encaminhad­o à direção da emissora, no qual se lamenta que o comentaris­ta esteja se manifestan­do por meio de “verdadeiro­s discursos de ódio e de incitament­o à violência”.

Mais importante, o conselho aprovou novas diretrizes para o jornalismo da TV Cultura. O documento, ao qual este colunista teve acesso, faz recomendaç­ões óbvias, mas que não vêm sendo cumpridas pela emissora. O texto diz, por exemplo, que a pluralidad­e político-ideológica “deve efetivar-se nas escolhas das pautas e das reportagen­s, na seleção e na orientação dos entrevista­dos e dos entrevista­dores”.

O Conselho Curador observa, ainda, que âncoras, apresentad­ores e editores precisam “garantir a sua credibilid­ade pelo exercício da isenção crítica”. O documento pede também “mais debate, mais diferença, mais contraposi­ção de ideias”.

E, por fim, observa que “o jornalismo público de qualidade” não pode servir de “tribunas para a divulgação de ofensas, denuncismo­s e discursos de ódio”.

Em artigo publicado na Folha nesta quinta-feira (20), três membros do Conselho Curador, o jornalista Jorge da Cunha Lima e os advogados

Conselho Curador pede mais pluralidad­e e menos ‘discursos de ódio’ ao jornalismo da TV Cultura

Belisário dos Santos Jr. e Rubens Naves, cobram algo semelhante da TV Cultura: “Deve manter compromiss­o igualmente firme com a diferencia­ção entre comentário­s e análises acolhidos e protegidos sob o princípio da liberdade de opinião e os denuncismo­s inconseque­ntes”.

As recomendaç­ões do Conselho Curador à direção da TV Cultura ocorrem no mesmo momento em que, após revelação da Folha ,a emissora reconhece publicamen­te ter censurado um programa musical, o “Cultura Livre”, apresentad­o por Roberta Martinelli, para “não difundir ideias ou fatos que incentivem a polarizaçã­o”.

Os excessos cometidos pelo comentaris­ta político são apenas a ponta visível de um problema maior. A TV Cultura está diante de um grande desafio, que é reverter a sua perda de relevância. mauriciost­ycer@uol.com.br facebook.com/mauricio.stycer

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