Folha de S.Paulo

Sobre pais e filhos, certo e errado

- MARCIUS MELHEM COLUNISTAS DA SEMANA: segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Ricardo Araújo Pereira, sábado: José Simão

CONFESSO UM certo prazer ao ver Marcelo Odebrecht delatando. Fui, como todo o Brasil, testemunha de sua empáfia inicial ao dizer que “não há o que dedurar”. E mais: “Se as filhas brigassem e eu perguntass­e quem começou, e uma dedurasse a outra, eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquela que fez o fato”.

Um ano de cadeia depois... Como tem o que falar o doutor Marcelo, né não? Mandou às favas os escrúpulos que já não tinha.

Fico imaginando o nó na cabeça das suas três filhas com essa atitude tão contraditó­ria. Filha 1 —Pai, você dedurou? Pai — Sim, filha. Eu... Filha 2 — Mas você sempre disse que dedurar era errado.

Pai — Mas nesse caso o errado tá certo, filhas.

Filha 3 — O errado tá certo? E aquele errado das propinas?

Pai — (Conserta) Achaque.

Filha 3 — Tá, e o errado do achaque, também tá certo?

Pai — Não, esse tá errado mesmo. Mas tive que dedurar pra poder me livrar. Filha 1 — E é certo com os outros? Pai — É, porque agora não dá pra pensar em ninguém, só no que é melhor pra mim.

Filha 2 — Mas não foi por isso que o senhor foi parar aí dentro? Pai — Foi, mas... Filha 2 — Então tá errado. Certo? Pai — Filhas, acabou o horário de visita. Semana que vem, uma de cada vez, tá? Papai fica confuso.

E se pais se preocupam bastante com seus filhos, o oposto acontece com igual intensidad­e. Basta ver como a estrutura familiar é importante para o zagueiro Maicon, do São Paulo. Ao ver seu colega de time se recusar a prejudicar injustamen­te um adversário, Maicon discordou: “Antes a mãe deles chorando do que a minha”. Fiquei pensando no que faria a mãe do zagueiro são-paulino chorar.

— Filho, você não falaria a verdade pra salvar o moço? — Não quero ver a senhora chorar. — Mas ganhar e perder faz parte. Eu te eduquei foi pra não mentir. Isso me decepciona tanto... (começa a chorar)

— Mãe, não é nada disso, esquece: claro que eu falaria a verdade. — E você tá me falando a verdade? — Tô. — Ai, que alívio! Mas... Então por que você mentiu pros jornalista­s? (chora de novo)

Marcelo Odebrecht e Maicon são bem diferentes no alcance do mal que podem fazer. Mas se encontram por onde caminham suas escolhas. Outro ponto em comum é que prezam muito pelas suas famílias. Como também dou valor à minha, vou deixar minhas filhas bem longe dos ensinament­os dos dois.

Fico imaginando o nó na cabeça das filhas de Marcelo Odebrecht com a atitude contraditó­ria do pai

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Débora Gonzales

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