Folha de S.Paulo

Santíssima Trindade

Temer, Lula e FHC esboçam pacto de defesa da classe política, que prestou serviços relevantes mas se deixou impregnar pela corrupção

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Reportagem publicada recentemen­te neste jornal dava conta de gestões envolvendo o presidente Michel Temer (PMDB) e seus antecessor­es Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A apuração era bem fundamenta­da; o que parece etéreo é o entendimen­to apto a reunir os três personagen­s.

O primeiro deseja ficar no cargo até o final do ano que vem e colher o reconhecim­ento, que viria com o tempo, de ter recolocado a economia em ordem.

Enquanto o segundo pretende sobreviver na política e evitar condenação judicial cada vez mais plausível, o terceiro trata de resguardar a imagem, há pouco chamuscada, para os livros de história.

Não é fácil harmonizar interesses tão díspares. O propósito alegado por emissários dessa espécie de Santíssima Trindade da política brasileira é assegurar transição institucio­nalmente tranquila até o próximo mandato presidenci­al.

Mas não existem ameaças que sugiram, sequer remotament­e, qualquer risco para a democracia ou para o calendário eleitoral. Ao contrário, em meio a tantos desarranjo­s na política e na economia, o regime constituci­onal do país tem funcionado bem. Sob o eufemismo invocado, a preocupaçã­o parece ser outra.

Trata-se de proteger as cidadelas dos principais partidos, precisamen­te os liderados pela troica, da gigantesca renovação eleitoral que deverá varrer o país em outubro de 2018, a julgar pelo descrédito abissal em que a operação Lava Jato fez mergulhar a classe política.

Mesmo que seja esse o intuito da iniciativa esboçada, cabe perguntar o que Temer, Lula e FHC podem fazer a respeito. As investigaç­ões judiciais seguem seu curso implacável e não se vislumbra força capaz de detê-las, tamanho o apoio que suscitam na população.

Apesar de deslizes cometidos aqui e ali, a operação Lava Jato mantém-se nos limites da lei, o que oferece pouco flanco a invalidaçã­o jurídica. Do ângulo político, devastador estrago na imagem de quase todas as figuras nacionalme­nte conhecidas já aconteceu e dificilmen­te será revertido.

Se é legítima a preocupaçã­o de dificultar o caminho de aventureir­os desprepara­dos, que costumam se beneficiar de um quadro como o atual, a estratégia deveria ser outra. PMDB, PSDB e PT —decisivos na conquista da democracia, da estabilida­de da moeda e de políticas sociais exitosas— precisaria­m entregar-se a uma dura autocrític­a dos alicerces corrompido­s em que seu predomínio se fundou.

Uma tal autocrític­a, aliás, começaria por repelir o caciquismo bem representa­do pelo triunvirat­o ora em busca de pactos institucio­nais. BRASÍLIA -

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