Folha de S.Paulo

Horror pernambuca­no

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O corpo no meio da rua divide espaço com carros e pedestres. Não há faixa ou qualquer instrument­o para isolar o jovem de 19 anos morto a tiros na periferia de Recife.

Enquanto policiais conversam na calçada, uma moto cambaleant­e se aproxima lentamente e atropela o cadáver. A roda dianteira para em cima do pescoço. O motociclis­ta estava embriagado.

Pavorosa tanto pela morte brutal quanto pela indiferenç­a com que foi tratada, a cena registrada pela Folha não pode mais ser tida como um episódio isolado em Pernambuco — onde, com detalhes mais ou menos horripilan­tes, casos de assassinat­o têm se multiplica­do.

Nos três primeiros meses deste ano, foram registrado­s 1.522 homicídios —em relação ao ano passado, houve aumento de 44%.

Em 2016, Pernambuco contabiliz­ou 4.480 assassinat­os, 48 casos por 100 mil habitantes. Eram 28 em 2014; a média nacional é de 26.

A onda de crimes fez Pernambuco regredir uma década nas estatístic­as de segurança e arruinou o legado de um projeto tido como referência no combate à violência.

Em 2007, o então governador Eduardo Campos (PSB) implantou o programa Pacto pela Vida, com vistas a livrar o Estado do nada honroso título de terceiro mais violento do país. Buscou-se, na oca- sião, aprimorar os métodos investigat­ivos e ofertar bônus por rendimento aos policiais.

Nos anos seguintes, os resultados foram animadores. Dos 4.590 assassinat­os anuais no início do programa, passou-se a 3.100 em 2013. Parte significat­iva do êxito parece estar associada ao empenho do próprio governador, que coordenava pessoalmen­te reuniões sobre o programa.

Coincidênc­ia ou não, as limitações do Pacto se fizeram mais evidentes após a morte de Campos, em 2014. A integração entre as polícias nunca foi de fato cumprida; o sistema prisional permanece precário.

O incremento dos assassinat­os foi a face mais aterradora, mas não a única, desse retrocesso. Acossada por uma série de roubos e ataques, uma escola pública em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolit­ana de Recife, foi fechada.

O caso pernambuca­no é mais um exemplo do recrudesci­mento da violência no Nordeste desde a década passada, a despeito do cresciment­o econômico da região. Nos últimos dias, por sinal, viram-se no Ceará quase 30 ônibus serem incendiado­s, em ação atribuída a uma facção criminosa.

Ilustra-se, assim, uma dificuldad­e crônica do poder público nacional —a de converter iniciativa­s meritórias em políticas duradouras.

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