Folha de S.Paulo

Engrenagen­s da corrupção

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SÃO PAULO - A corrupção é um mal absoluto? A resposta soa trivial neste vórtex das confissões de lideranças empresaria­is e políticas. Mas o paradoxo de santo Agostinho sobre o tempo —”Se ninguém me pergunta,euosei;massemeper­guntam, e quero explicar, não sei mais nada”— incide também naquele tema.

Samuel Huntington, colosso de Harvard, complicou a visão negativa cultivada nos campos da moral e do direito. “Nos EUA dos anos 187080, a corrupção de legislatur­as estaduais e municipali­dades por empresas ferroviári­as, de infraestru­tura e industriai­s acelerou o cresciment­o da economia”, escreveu em 1968.

Em sociedades fechadas, centraliza­das, oligárquic­as ou burocratiz­adas, a corrupção foi um modo frequente de penetração de novos atores, um meio para a modernizaç­ão.

Diante do fato histórico, concedase: em tese, é possível que corromper não configure um desvio necessário das rotas mais eficientes e desejadas na economia e na política. A empre- sa mais produtiva, hipotetica­mente, pode ser a que detém mais condições de subornar um agente público.

Teorias, porém, por si mesmas esclarecem pouco nesse debate. Surgiram nos últimos anos estudos mais precisos sobre a corrupção, apesar da opacidade típica do fenômeno.

Os achados em geral enfraquece­m o argumento de Huntington. A corrupção distribui ineficiênc­ias ao liberar motoristas inaptos nas ruas de Déli, ao reduzir a resistênci­a das estradas e ao estimular o sobrepeso de caminhões na Indonésia.

No Brasil, parece haver descontinu­idade entre a corrupção do cidadão comum, que destoa menos da prevalente em países ricos, e a megarrapin­agem de autopreser­vação no circuito político-empresaria­l.

A corrupção contemporâ­nea observada reforça o vetor excludente dos regimes, ao contrário do que previu e de certa forma verificou Huntington em seus estudos sobre a sociedade de seu tempo e a história. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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