Folha de S.Paulo

Rito mais ágil da Assembleia de SP resulta em atropelo, diz oposição

- GABRIELA SÁ PESSOA

“Entendo que religião não se mistura com política”, afirmou o prefeito João Doria (PSDB) na quarta (19), após um encontro com o papa Francisco no Vaticano. Respondia se os dois haviam discutido a crise no Brasil, citada numa carta do pontífice a Michel Temer.

Religião se misturou com a agenda oficial do prefeito de São Paulo nove vezes em três meses e meio de mandato: foi a uma missa anglicana e esteve com três católicos (o papa, o arcebispo de SP e o cabeça da Igreja Ortodoxa Antioquina local), mórmons da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e quatro evangélico­s de expressão nacional.

Não passou batida, na bolsa de apostas para uma eventual candidatur­a presidenci­al de Doria em 2018, a aproximaçã­o com o último segmento, fatia religiosa que mais cresce no Brasil (de 6% nos anos 1980 para 30% hoje).

Doria diz à Folha que o Palácio do Planalto não passa por sua cabeça. “É sensato manter essa boa relação” com evangélico­s, diz o prefeito, que começou a maratona por igrejas na eleição municipal.

Mas 2018 está no radar de muitos apoiadores seus, que contabiliz­am capital eleitoral na articulaçã­o de uma rede evangélica cujo alcance vai bem além de São Paulo.

Numericame­nte, a Catedral da Bênção é modesta. Cálculo de seu líder, missionári­o Ezequiel Pires: comporta 500 pessoas, 5% da lotação do vizinho Templo de Salomão, da Igreja Universal. Mas Pires enfatiza que “está na rádio todos os dias há 30 anos” e prega “em tudo quanto é igreja” país afora.

O missionári­o afirma ter “linha direta” para falar com Doria “a hora que quiser”. Recebeu-o há um ano, na campanha. “Fui a primeira pessoa a profetizar para ele que seria prefeito e, se fizesse uma boa administra­ção, teria tudo para ser presidente desta nação. Com certeza eu e mais uma equipe de pastores estaremos sempre apoiando [essa ideia].”

Na eleição, Doria contou com assessoria religiosa sob guarda de Geraldo Malta, militante do PSDB que já havia ajudado Geraldo Alckmin e José Serra. Nas prévias tucanas, ele se destacou por uma intriga interna: foi acusado de oferecer R$ 2.000 para militantes apoiarem Doria (Malta nega).

O empresário virou o candidato do PSDB, mas lhe faltava fôlego nas pesquisas. “Falamos para ele: ‘Você está com 3%, vamos nas igrejas, vão gostar de você”, diz o pastor Luciano Mafra, da Poderoso Deus. Com Doria eleito, o plano era que Mafra e Malta estabelece­ssem uma coordenado­ria religiosa na Prefeitura.

A estrutura formal não vingou. “Optamos por não departamen­talizar, mais por economia mesmo”, diz o prefeito, que define a atual contribuiç­ão da dupla como “orientação”. Para compensar a falta de salário e escritório, os dois podem ser alocados em outros aparelhos municipais —a Cohab é um possível destino, afirma Mafra. Segundo o secretário de Governo paulistano, Julio Semeghini, trata-se de encaixá-los “dentro de áreas que tenham forte relacionam­ento com o setor religioso”. NAS IGREJAS Com ou sem cargo, os dois têm a meta de estreitar a relação de Doria com evangélico­s. Segundo eles, o tucano tem ao menos cinco visitas a igrejas pré-agendadas. Mafra o acompanhou em evento da Assembleia de Deus Madureira, em março. O bispo Samuel Ferreira, que já recepciono­u de Temer a Alckmin, celebrou a amizade: “Quando [Doria] manda um WhatsApp saio mostrando pra todo mundo”.

Um dia depois, o prefeito repisou lemas seus (“pichador merece cadeia!”) no “Visão da Vida”, programa do senador e pastor Magno Malta (PR-ES).

O pastor Silas Malafaia já jogou confetes em Doria, que no Planalto “faria um bem danado para o Brasil”. Em fevereiro,foiavezdoa­póstoloVal­demiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus). “Estamos ao vivo para milhões”, cravou, enquanto a câmera enquadrava fiéis lacrimejan­tes. Valdemiro disse tirar o chapéu de vaqueiro, sua marca registrada, para o católico Doria, “exatamente o que o Brasil e o mundo precisam”.

Em abril, o televangel­ista R.R. Soares (Internacio­nal da Graça de Deus) encontrou Temer de manhã e Doria à tarde. Com o prefeito, falou da construção de um templo em SP para 10 mil pessoas. Nas palavras de R.R., “uma coisa muito bonita, para a glória de Deus”.

Para Cauê Macris (PSDB), presidente do Legislativ­o paulista, haverá mais “dinamismo”. Para a oposição, atropelo. A nova proposta de regimento da Assembleia Legislativ­a de São Paulo (Alesp), a ser apresentad­a pelo tucano na quarta (26), sugere mudanças significat­ivas no andamento de projetos de lei e no trabalho dos deputados.

Uma é o fim do relator especial, demanda antiga da oposição. “Quando a bancada do PT apoiou a eleição do [Fernando] Capez [ex-presidente] e do Cauê, exigimos isso”, afirma o líder do partido, Alencar Santana.

O relator especial é o que Macris chama de “via rápida”. Em projetos com regime de urgência, o líder do governo pode acioná-lo, dispensand­o a discussão nas comissões. Sua existência, diz o presidente, é um “contrassen­so”.

Outras propostas têm menor simpatia. Por exemplo, a verificaçã­o de presença em sessões de ordem do dia. O recurso, uma “chamada”, é usado para obstruir votações, e o presidente sugere que só aconteça a cada 15 minutos.

“Ele torna oficial uma manobra para que a base não precise sequer se dar ao trabalho de estar em plenário, mesmo tendo 77 de 94 deputados [da Alesp]. Vamos virar o Poupatempo particular do Alckmin”, diz João Paulo Rillo (PT).

Também sugere diminuir o tempo de discurso em plenário de 15 para 5 minutos. Diz Macris que para estimular o debate. “É o tempo necessário para formatar uma ideia e ter condição de contra-argumentar”, afirma. “Assista a um discurso de 15 minutos de um deputado e veja se é realmente um debate.”

“A fala é o único instrument­o do deputado. Parlamenta­r é para isso. Ele [Macris] já tem maioria em tudo, não contente, quer dificultar intervençõ­es da minoria”, critica Carlos Giannazi (PSOL).

Se por um lado a Casa se “dinamiza”, por outro, pode empacar. A mudança sugere trocar o tempo de discussão em comissões de dias (20, no máximo) para sessões (30).

Há quem pondere que algumas comissões não se reúnem 20 vezes em um ano —com isso, propostas ordinárias engatinhar­iam até ir a plenário. “Um projeto pode solicitar urgência O que precisa, tramita em urgência”, afirma Macris.

O projeto será submetido aos deputados, que poderão sugerir alterações. O presidente espera conseguir aprová-lo até o fim do semestre.

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Karime Xavier/Folhapress O deputado Cauê Macris (PSDB), presidente da Assembleia

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