Persistência da persistência
Isolado em seu palacete semidestruído em Aleppo, Mohamed Anis, septuagenário que se tornou símbolo da resistência à guerra graças a foto emblemática, fala de Roberto Carlos, Hitler e memórias de família
Os cabelos levemente desgrenhados e a vistosa barba branca aparada com cuidado mostram que Mohamed Anis é um homem vaidoso.
Aos 70 anos, os óculos de prata de aros arredondados e o lenço estampado em vermelho a cobrir o pescoço lhe emprestam um ar de dândi em meio aos escombros do que um dia foi seu palacete na agora destruída Aleppo.
“Você também quer minha radiola Victor ao lado da cama?”, pergunta, preparandose para acender o cachimbo e tentando re-encenar a imagem que o tornou famoso.
Clicada pelo fotógrafo libanês da agência AFP Joseph Eid, a imagem mostra Anis na mesma cama, segurando o mesmo cachimbo e supostamente ouvindo ópera em um gramofone Victor do início do século passado.
A imagem se transformou em um símbolo de resistência, resiliência e senso de humanidade em meio à barbárie da Batalha de Aleppo. Segundo estatísticas nem sempre confiáveis em conflitos dessa magnitude, cerca de 20% das quase 500 mil pessoas que já morreram nesta guerra perderam a vida aqui.
O quarto de Anis já não tem os escombros da fotografia icônica, tirada poucas semanas após o governo de Bashar al-Assad ter finalmente reconquistado um dos principais bastiões dos rebeldes islamistas ligados ao Estado Islâmico e à Al Qaeda na Síria.
Ele contratou três mulheres para ajudá-lo na limpeza do casarão que o fez ficar em Aleppo ao longo de toda a guerra. “Tive que ficar, senão tudo seria destruído e roubado, me transformei no guardião físico e moral da minha história”, diz ele, mostrando uma de suas radiolas que quase não funcionam mais.
É nessa casa construída antes de seu nascimento por seu pai que ele guarda as maiores paixões da sua vida: carros, objetos históricos, livros, uma quantidade incrível de embalagens para batons e esmaltes e referências a Hitler.
No cômodo ao lado de seu quarto, Anis guarda a imagem em tamanho quase real de quem considera um ídolo.
Pintado à mão, o desenho de Adolph Hitler erguendo o braço à frente com a mão espalmada ocupa quase toda a parede do quarto de uma das filhas de Anis. Sobre Hitler,
Tive que Tenho nojo