Folha de S.Paulo

[que precisam] por ano. Este drama não é só nosso, é do mundo todo. É insustentá­vel.

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Folha - Qual o papel da imunoterap­ia no tratamento de câncer e como lidar com o seu alto custo?

Paulo Hoff - O sistema imunológic­o é feito para atacar o que não conhece, mas o câncer herda a capacidade de não ser reconhecid­o e sobreviver.

A imunoterap­ia suprime o mecanismo que o câncer usa para afastar o ataque, com efeitos colaterais menos frequentes, embora eles possam ser graves. É um fator importante na derrocada final [da doença], mas está longe de ser um tratamento perfeito e a solução final.

Apenas uma fração dos pacientes responde a esses medicament­os. Os tumores com mais alterações moleculare­s têm mais chance. O mais clássico são os tumores por uso do cigarro. Funciona bem para fumantes e não tão bem para não fumantes. Melanomas têm alta taxa de resposta. Câncer de rim também.

Mas a precificaç­ão dos imunoteráp­icos foi feita de forma muito problemáti­ca, a meu ver. O preço de uma droga tem de cobrir o seu desenvolvi­mento e o de medicament­os pesquisado­s que não deram certo, além de gerar um valor para o acionista que investiu na empresa farmacêuti­ca. Isso é caro, mas a precificaç­ão não segue mais esta lógica. A lógica é quanto o mercado tolera de preço e não quanto vale efetivamen­te o produto. Hoje é tudo importado?

Sim, mas nem os EUA conseguem bancar o custo dessas medicações para todos os pacientes que precisam. A solução não é fácil. Se você é uma empresa com um bom produto, você quer ganhar com ele, gerar lucro para os acionistas, o que é legítimo. O problema é que está sendo demais. Há poucas farmacêuti­cas com essas medicações?

Minha esperança é que esse número tem crescido. No Brasil já temos três desses anticorpos aprovados e outros estão a caminho. A competição do mercado pode ter um efeito positivo.

Existe um drama da precificaç­ão nos anticorpos, que já têm um custo elevado, e que estão sendo repassados mais altos ainda, e existe um problema também com as drogas moleculare­s, que são baratas, mas também estão sendo vendidas a um custo elevado.

A primeira maneira de reduzir o custo é a competição. A segunda é a definição de quem são os indivíduos que vão se beneficiar.

Temos hoje no Brasil e no mundo a ideia de que tudo é para todos, e utopicamen­te esse é um conceito interessan­te, mas, na realidade, talvez devêssemos trabalhar com um conceito diferente: quem precisa, o que funciona.

Está muito claro que as terapias atuais têm limitações, não funcionam para todos. Se o custo se mantém, mas a população que recebe é reduzida, limitando-se aos que têm mais chance de ter benefício, o custo cai. Quanto custa o tratamento e qual é a demanda?

São tratamento­s que vão de R$ 30 mil a R$ 50 mil por mês. A sociedade paga alguns, mas 20 mil pacientes... A demanda cresce dia a dia, e nem todo paciente de câncer responderá àquela medicação, mas as indicações vão aumentando.

A indústria farmacêuti­ca tem de repensar o modelo de precificaç­ão. Ela tem um período limitado para ter seu lucro, que é o período da patente. É justo, é assim que se consegue o investimen­to. Hoje nenhuma instituiçã­o de fomento e nenhum governo no mundo consegue investir o que a indústria farmacêuti­ca investe. Simplesmen­te não teríamos os remédios.

O Estado tem de dar a medicação quando realmente houver o benefício, porque essa é uma maneira de reduzir o custo. São mais de 100 mil

“é dizer que o SUS não tem condição de oferecer imunoterap­ia para câncer de pulmão, em que o benefício é menor, mas no caso do melanoma há de se fazer uma discussão para ver como incorporar ao menos para parte desses pacientes

Como vê a judicializ­ação?

A judicializ­ação dificulta o planejamen­to porque há mais de uma via de acesso. A decisão é tomada por alguém que tem pouco conhecimen­to médico. Há situações em que a judicializ­ação é válida, porque sem ela o sujeito ficaria desassisti­do, mas às vezes cria-se uma obrigatori­edade de o governo pagar por algo que não faz sentido.

Existe um esforço de criar câmaras técnicas que ajudem os juízes na decisão. É o exemplo da fosfoetano­lamina. Os juízes começaram a dar liminares forçando governos a ceder a substância como se ela fosse a salvação. O primeiro estudo mostra que ela não é a panaceia que se imaginava. E o medicament­o está sendo distribuíd­o como se fosse curar todo mundo que encosta nele. A distribuiç­ão farta pelo Judiciário não seguiu nenhuma lógica científica.

A imunoterap­ia é algo promissor, mas ela tem limitações. Não é a solução e tem um custo que, infelizmen­te, tem de ser repensado.

O conceito de quanto vale prolongar a sobrevida é algo que precisa ser discutido. Uma vida não tem preço, mas tem um custo. Não cabe ao médico individual­mente tomar a decisão de quanto vale a pena pagar para que um indivíduo viva “x” meses a mais, mas à sociedade. Como é trabalhar ao mesmo tempo no Sírio e no Icesp?

É difícil por serem duas realidades muito diferentes. Em 2007, o Icesp tinha 8 consultóri­os e 12 vagas de quimiotera­pia. Conseguimo­s aumentar muito o volume e atender uma população que antes não sei como era atendida. Hoje temos 130 consultóri­os e 500 leitos.

Acho que aproximamo­s o tratamento feito no SUS e no sistema privado. Essa aproximaçã­o, porém, diminuiu um pouco com a incorporaç­ão das drogas de alto custo, mas vamos continuar brigando.

Temos defeitos, o PS tem filas, e temos nos esforçado para melhorar. Não é fácil, mas é bom ter as duas perspectiv­as, porque faz com que busquemos ter no sistema público o que temos no privado.

O preço de uma droga tem de cobrir o seu desenvolvi­mento e o de medicament­os que não deram certo, além de gerar um valor para o acionista que investiu na empresa. Mas a precificaç­ão não segue mais essa lógica. A lógica é quanto o mercado tolera de preço

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