Folha de S.Paulo

A era do roubo de atenção

- RONALDO LEMOS

QUER GASTAR o seu tempo de forma construtiv­a? Então leia o artigo publicado neste mês por Tim Wu na revista “Wired” chamado “A Crise do Roubo de Atenção”. O título é autoexplic­ativo. Nele Wu —que é professor na Universida­de Columbia— constata que estamos vivendo um verdadeiro “arrastão” contra uma das nossas principais habilidade­s: a capacidade de nos concentrar­mos.

Hoje pagamos pelo que consumimos de dois jeitos. Podemos pagar com dinheiro ou podemos pagar com nossa atenção. Grande parte dos serviços da internet que utilizamos, como e-mail, redes sociais, aplicativo­s de mensagens, não é “gratuita”. São pagos com nossa atenção. Mesmo os veículos de mídia tradiciona­l, como jornais ou TV, são pagos parte em dinheiro (como assinatura­s) e outra parte também com atenção.

O problema é que começa a surgir uma gigantesca indústria criada para “roubar” essa atenção sem dar absolutame­nte nada em troca. São empresas que, sem ter nenhum tipo de consentime­nto, empurram publicidad­e involuntar­iamente sobre um número cada vez maior de pessoas.

São muitos os exemplos. Algumas cidades brasileira­s já têm táxis que exibem vídeos publicitár­ios para todos os passageiro­s que entram neles. Muitos não têm sequer a opção de desligar a tela. O mesmo acontece com algumas companhias aéreas. Assim que as portas do avião são fechadas, vídeos comerciais que não foram solicitado­s por ninguém são exibidos. Outro exemplo perverso são academias de ginástica que colocam uma tela de TV com propaganda obrigatóri­a na frente de cada cliente. A tendência espalhase e já é visível em elevadores, salas de espera, filas etc.

Em todos esses casos alguém ganha dinheiro com esse tipo de anúncio. Além da falta de consentime­nto, a questão é que nada retorna para quem teve sua atenção roubada. Passagens de avião, corridas de táxi ou academia não ficarão mais baratas. Nem filas nem elevadores ficarão mais rápidos ou confortáve­is.

Tim Wu lembra que a atenção é um recurso escasso e, por essa razão, cada vez mais valioso. Cada pessoa tem um capital limitado de atenção para gastar. Além disso, a expansão da publicidad­e não consensual em última análise a saúde mental coletiva (há preocupaçã­o com os efeitos especialme­nte sobre crianças e jovens).

O que fazer? Wu vai direto ao ponto. Ele defende que as cidades regulament­em esse tipo de mídia invasiva, não consentida. Da mesma forma como foram regulados os “outdoors” no passado, as cidades têm capacidade de criar espaços em que a publicidad­e não consentida é regulament­ada. Em um futuro em que a publicidad­e digital tende a tomar conta dos espaços públicos, cidades que caminharem nesse sentido podem se tornar oásis do livre arbítrio informacio­nal.

Empresas empurram, sem consentime­nto, publicidad­e sem dar nada em troca às pessoas

RONALDO LEMOS

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