‘Os Dias Eram Assim’ não traduz a complexidade do período que retrata
Arnaldo (Antonio Calloni) é um vilão consumado. Um empresário arrogante, que maltrata a mulher Kiki (Natália do Vale) e tenta controlar a filha Alice (Sophie Charlotte). Mas vai além: não só apoia financeiramente o aparato repressor do regime militar, como sente um prazer sádico em acompanhar sessões de tortura. Calcado em figuras reais como Henning Boilesen, não tem lá muitas nuances.
Do outro lado do espectro político está o idealista Túlio (Caio Blat), que adere à luta armada. Logo no primeiro capítulo, ele comete um atentado “light”: solta uma bomba na entrada da fictícia Construtora Amianto, que pertence a Arnaldo. Sem vítimas, só uns poucos danos materiais, que é para manter a simpatia do público. Imediatamente capturado pela polícia, morre ao som de Walter Franco —um requinte a mais de crueldade.
Entre os dois extremos, há uma dezena de personagens que não está nem aí para a política. Como Renato (Renato Góes), que se apaixona por Alice à primeiríssima vista numa passeata onde ambos estavam por acaso. Renato é irmão de Gustavo (Gabriel Leone), que é amigo de Túlio. Só por causa disso, o pai da mocinha irá infernizar sua vida, acusando-o de envolvimento com a subversão. O jovem médico será obrigado a se exilar do país.
Esta é, em linha gerais, a trama central de “Os Dias Eram Assim”, supersérie (novo nome que a Globo dá às suas novelas mais curtas) que estreou na segunda (17). Um romance proibido que começa em 1970 e vai até 1984.
As autoras Angela Chaves e Alessandra Poggi, pela primeira vez como titulares de uma obra, já colaboraram em inúmeras novelas e séries alheias. Aprenderam todos os clichês, embora ainda não tenham conseguido traduzir a complexidade do período que escolheram retratar aqui.
Nem todos os apoiadores dos governos militares eram brucutus sanguinários, assim como nem todos os “subversivos” eram anjinhos caídos do céu. O maniqueísmo, se ajuda na compreensão do conflito, também o infantiliza. Não fosse pelas poucas cenas de violência, a série poderia ser uma novela das seis.
Pelo menos em sua primeira semana, a supersérie carregou nas tintas do romance e não se preocupou em examinar as contradições de um tempo ainda pouco explorado pela nossa teledramaturgia.
Some-se a isto uma reconstituição de época menos que perfeita e uma trilha sonora que inclui uma versão de “Tempo Perdido”, que o Legião Urbana só lançaria em 1986, e o trocadilho se faz inevitável: não, os dias não eram assim. AVALIAÇÃO regular
Um seminário com intelectuais marcará, nesta terçafeira (25), o lançamento do livro “O Brasil no Contexto: 1987-2017”, publicado em ocasião dos 30 anos da Editora Contexto.
A obra traz textos de 17 autores da casa em um balanço sobre o que mudou no país nas últimas três décadas, em campos que variam do letramento de crianças à política externa nacional.
No evento de terça, que tem início às 19h, o economista Antonio Corrêa de Lacerda, o sociólogo José de Souza Martins, o jornalista esportivo Milton Leite e o historiador e fundador da editora Jaime Pinsky farão breves palestras sobre as mudanças nas suas áreas de especialidade.
A Folha é apoiadora do evento, que acontece no Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158) e tem entrada gratuita, sem necessidade de inscrições. Depois do seminário, haverá coquetel e sessão de autógrafos.
Os quatro palestrantes assinam artigos no livro, que conta ainda com colaborações do historiador Leandro Karnal, do presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, e do educador Nelson Piletti, professor da USP.
Carlos Eduardo Lins da Silva, sócio-diretor da Patri Políticas Públicas e ex-ombudsman da Folha, opina sobre a evolução do jornalismo, afirmando que a prática “enfrentou desafios estruturais sem precedentes a partir de meados dos anos 1990, com a universalização da internet”, para os quais, segundo ele, “ainda não encontrou respostas satisfatórias”.
A Contexto é uma das principais editoras acadêmicas do país. Pinsky, seu fundador, vê desafios à existência de casas do gênero no Brasil.
“Seria de esperar que o crescimento no número de universidades levasse a um crescimento das editoras na mesma proporção, mas isso não acontece”, diz. “A prática de ler livros inteiros diminuiu, mas continuamos crescendo apesar de tudo.”
A Contexto se propõe a ser um centro de debates universitários. Em 30 anos, a casa também fez um trabalho de preparar os acadêmicos para uma escrita longe dos jargões da universidade.
Pinsky diz que fica antenado nos debates contemporâneos, para poder colaborar com eles. Por exemplo, ao ver a crise política no país, encomendou do sociólogo José de Souza Martins um livro sobre o PT.
Ele também afirma prezar pela pluralidade de pensamento, embora haja tentativa de pressioná-lo. Ele cita como exemplo o ano de 2013, quando um grupo de manifestantes impediu o lançamento de “De Cuba, com Carinho”, da blogueira cubana Yoani Sánchez.
“Mas a irracionalidade é um monopólio da burrice. Nessa hora não tem direita ou esquerda”, diz o historiador.