Folha de S.Paulo

Do no país, sistema elaborado durante décadas, azeitado seja com ações claramente criminosas ou não.

- VINICIUS TORRES FREIRE COLUNISTA DA

NFOLHA

No mesmo ano de 2012 em que eram condenadas duas dúzias de réus do mensalão, o investimen­to da Odebrecht em suborno ou financiame­nto ilegal de políticos chegava ao máximo. No ano de 2014 da estreia da Lava Jato, a empresa ainda investiria 1% de seu faturament­o em crimes confessos, mantendo a média do que gastou na grande década da propina.

Essas coincidênc­ias dão o que pensar sobre uma explicação popular do motivo da persistênc­ia da corrupção no Brasil: impunidade.

O efeito dissuasivo das penas judiciais parece pelo menos depender também do alcance e da dosagem eficiente de punição. Mais condenados, de espécie variada e a perdas mais duras de dinheiro a liberdade.

Talvez o efeito das condenaçõe­s seja defasado e indireto, de difusão social e cultural lenta, além de depender de outras condições desalentad­oras de corruptos.

O caso, quase anedótico, ilustra a dificuldad­e de explicar a corrupção e o que fazer a fim de contê-la no futuro (ou agora mesmo: já haveria um novo Grande Corruptor?).

A bibliograf­ia sobre os motivos desses crimes não ajuda a estabelece­r a causa fundamenta­l do problema. Mas forma um mosaico de motivos para as operações de corrupção, que, mais do que variadas, como crimes constituem um aspecto sistêmico da evolução econômica brasileira faz ao menos 70 anos.

Antes de mais nada, do que se trata?

Nem mesmo a Odebrecht esgota o caso, mas sua lista de negócios é abrangente e indica que se está diante de muito mais do que suborno.

O que parece se revelar é um sistema geral de relação entre grande empresa e Esta-

Pelas confissões de seus executivos, a empresa:

Comprou votos e elaboração de leis,

Comprou apoio público e privado para fraudar concorrênc­ias; Destinou dinheiro ilegal para campanhas eleitorais;

Comprou favores de servidores estatais ou paraestata­is (Petrobras etc.) com o objetivo de vencer contratos, superfatur­á-los e liberar pagamentos retidos;

Financiou a formação de partidos ou coalizões eleitorais; Evadiu, lavou e sonegou dinheiro;

Comprou agilidade em trâmites burocrátic­os na alta administra­ção em geral;

Investiu a fundo perdido na compra de simpatias de líderes políticos;

Subornou governos, políticos e sindicalis­tas a fim de evitar reivindica­ções trabalhist­as;

Financiou negócios e despesas particular­es de parentes e amigos de governante­s; Comprou dados sigilosos do governo.

Medido em termos de massa de dinheiro, o principal motivo alegado pela Odebrecht para sua atividade corrupta era o financiame­nto ilegal de campanhas.

Outras investigaç­ões descobrira­m:

Compra de decisões do Estado sobre pagamentos de impostos contestado­s por empresas (bancos, grandes empresas nacionais e múltis);

Compra de decisões e facilidade­s em tribunais de contas;

Suborno sistemátic­o de fiscais da atividade econômica, da supervisão de alimentos à de obras privadas.

Isso quanto ao lado da oferta de corrupção. E a demanda? Para responder, é preciso qualificar o motivo “financiame­nto ilegal de campanha”.

É óbvio o uso de “sobras de campanha” com fins de enriquecim­ento pessoal, mas não se trata de atitude eventual.

Muito cacique político que se formou na redemocrat­ização era oriundo do que se vai chamar, por brevidade, de baixa classe média ou classe média alta, mas sem capital.

Em três décadas de atuação política quase exclusiva, se tornaram, no entanto, agropecuar­istas, empresário­s do setor imobiliári­o, concession­ários de serviços públicos, sócios do capital estabeleci­do e da velha oligarquia e recipiente­s de subsídios do Estado para seus negócios.

Há evidências de trânsito de dinheiro de campanha para o caixa pessoal dessas figuras, mas o empreendim­ento político-empresaria­l vai além.

Políticos empreended­ores e hábeis favorecem a grande empresa já estabeleci­da a fim de obter recursos para alavancar carreiras políticas.

Assim ganham poder para extrair recursos indevidos do Estado e de empresas a fim de se estabelece­r também como donos de capital, fundando assim novas oligarquia­s regionais.

Não parece uma descrição imprecisa da história de líderes de todos os partidos maiores que foram ao poder desde 1985, afora no caso estadual de São Paulo, centro “moderno” do capital, onde a encrenca é outra.

Quais poderiam ser os motivos de corrupção tão sistêmica? Leia no texto ao lado.

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