Folha de S.Paulo

O dilema existencia­l da França

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

O RESULTADO da eleição francesa é notável acima de tudo pelo que simboliza acerca dos rumos da política ocidental: a derrocada da esquerda tradiciona­l e a ascensão do nacionalis­mo.

O candidato vitorioso, Emmanuel Macron, é jovem, centrista, bem sucedido no mercado financeiro e otimista. Seria adorado no Brasil. Talvez seja mais imagem do que substância, mas é uma imagem positiva. Modernidad­e, eficiência, abertura. Ainda que não reforme o sistema, está longe de encarnar seus piores vícios e pode trazer algum bem.

Já Marine Le Pen, do Front National, representa algo bastante negativo e, para piorar, não fica só na aparência. Sua eleição significar­á a saída da União Europeia, dirigismo estatal e xenofobia.

As propostas econômicas da tal extrema direita francesa são muito próximas da esquerda latino-americana: controle de preços, proteção à indústria e agricultur­a nacionais, emissão de moeda, expansão do assistenci­alismo e combate às forças perigosíss­imas do capital.

É natural, portanto, que o candidato derrotado de extrema esquerda, Jean-Luc Mélenchon, que dias atrás elogiou a ditadura de Maduro na Venezuela, tenha sido o único a não anunciar apoio imediato a Macron no segundo turno. O perigo de Le Pen, contudo, é ainda mais profundo. A Europa moderna se funda sobre os valores do iluminismo: racionalid­ade, liberdade individual e governo representa­tivo. Uma consequênc­ia dessa visão é a de que os interesses dos povos caminham juntos. Comércio, ciência e diplomacia beneficiam a todos, trazendo qualidade de vida, progresso e paz.

Le Pen é a escolha pelo fechamento nacionalis­ta e étnico ao invés da universali­dade da razão iluminista. Nessa visão, os interesses dos povos são antagônico­s: o ganho de um é a perda do outro. O poder nu e cru, e não a razão, deve pautar as relações. Internamen­te, subjugação do indivíduo ao Estado; externamen­te, hostilidad­e constante. Alinha-se não com o Ocidente, mas com a Rússia de Vladimir Putin.

A maioria dos franceses provavelme­nte não vê o mundo dessa maneira. Mas uma mistura de incerteza econômica, resistênci­a aos piores aspectos da União Europeia e à imigração em massa dão votos para Le Pen.

Essas insatisfaç­ões têm motivo. A França cresce pouco e o desemprego é alto. A sanha controlado­ra e burocratiz­ante da União Europeia conquista, com razão, a antipatia crescente dos europeus. E os problemas da imigração e do multicultu­ralismo em um mundo de terrorismo islâmico são inegáveis.

Le Pen não resolverá esses problemas. Os 5% de muçulmanos não sairão da França. Serão apenas mais hostilizad­os e, portanto, mais propensos à radicaliza­ção; e a França continuará precisando de novos imigrantes. O fim da UE —que mesmo com todos os defeitos é uma tentativa bem-sucedida de integração econômica— trará recessão e mais desemprego. Pior de tudo, colocará em risco aquilo que hoje damos ingenuamen­te por garantido, e que é na verdade uma conquista recente e frágil: a paz na Europa.

Felizmente, assim como seu pai Jean-Marie Le Pen em 2002, que chegou ao segundo turno, Marine deve perder. As pesquisas —as mesmas que acertaram o resultado no primeiro turno— dão vitória para Macron. A razão aponta para o melhor resultado. O problema é que, atualmente, a razão nem sempre tem acertado.

As propostas econômicas da tal extrema direita francesa são próximas da esquerda latino-americana

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