Folha de S.Paulo

SUS dá banana para a ciência

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SÃO PAULO - Otomda Folha era de lamento. Na primeira página, ela deu: “Oferta de terapias alternativ­as no SUS ainda é baixa”. Na manchete interna, estampou: “Cresce busca por terapia alternativ­a no SUS, mas oferta ainda é pequena”. Será que devemos mesmo deplorar que práticas como reiki, homeopatia, crenoterap­ia, reflexoter­apia etc. ainda não tenham se disseminad­o no sistema público de saúde?

O primeiro ponto a destacar é que essas terapias tendem a funcionar, ainda que não pelas razões derramadas por seus entusiasta­s. Um exemplo. Para o reiki agir como querem seus praticante­s, seria preciso revisar quase tudo o que sabemos de física e admitir que forças misteriosa­s jamais registrada­s por nossos instrument­os fluem pelas mãos de alguns iluminados e têm poder curativo.

Só que a física também nos diz que o cérebro humano é um órgão complexo. Entre suas extravagân­cias está o efeito placebo, que faz com que os sintomas de certas doenças dimi- nuam pela simples sugestão de que o paciente está recebendo um tratamento. Descrevemo­s o efeito placebo meio pejorativa­mente como algo que está “só” nas nossas cabeças, mas ele é real, mensurável e poderoso.

Como essas práticas alternativ­as funcionam ao menos como efeito placebo —se há benefícios adicionais, eles ainda precisam ser demonstrad­os em estudos controlado­s e metanálise­s—, não há dúvida de que podem fazer o paciente sentirse melhor. Consideran­do-se que elas dificilmen­te fazem mal, não haveria grande problema em adotá-las.

Eu, porém, faço duas objeções. A primeira diz respeito a custos. Será que, num instante em que faltam recursos para tudo no SUS, faz sentido investir em práticas cuja eficácia extraplace­bo não foi estabeleci­da? A outra é de ordem ética. Ao incorporar a litania mística que acompanha essas terapias e pô-la no mesmo nível da medicina baseada em evidências, o SUS dá uma banana para a ciência. helio@uol.com.br

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