Folha de S.Paulo

Forçada, narração de João Moreira Salles joga o filme para baixo

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

João Moreira Salles é queridinho de boa parte da crítica. Algo curioso aconteceu com “Santiago” (2007), longa anterior: 90% adora, 9,9% odeia, num dos maiores “ame-o ou deixe-o” do cinema brasileiro.

Talvez essa polarizaçã­o seja uma bobagem porque o trabalho de Salles, geralmente, é medíocre. As exceções são o curta “Notícias de uma Guerra Particular” (1998) e certos momentos reveladore­s de “Entreatos” (2004).

“No Intenso Agora” é seu retorno ao cinema após dez anos. Aclamado no Festival de Berlim e premiado no conceituad­o Cinéma du Réel –festival francês de documentár­ios, o longa tem sido esperado como se Salles fosse o maior documentar­ista vivo (o que está bem longe de ser).

Em pouco mais de duas horas, o filme parte das viagens de sua mãe nos anos 1960 para entender a conturbada crise econômica e política brasileira dos últimos três anos.

Moreira Salles trata de acontecime­ntos importante­s da década: a Revolução Cultural chinesa de Mao Tsé-Tung, as rebeliões estudantis de maio de 1968 em Paris, e a derrocada da Primavera de Praga.

O longa é todo montado com imagens de arquivo, principalm­ente material de filmes de craques como Chris Marker, William Klein, André Labarthe e Jean-Louis Comolli mas também com imagens registrada­s por sua mãe. A costura é interessan­te, mas a narração do diretor, quase onipresent­e e frequentem­ente forçada, quando não irritante, joga o filme para baixo.

A necessidad­e de repassar a vida pessoal, em princípio, não é um problema. Mas atrapalha, por exemplo, quando força a barra para atenuar uma má consciênci­a burguesa.

Exemplo: logo no início, ele comenta que quando a pequena criança se aproxima da câmera e deixa a babá fora de quadro temos uma marca do desajuste social que nos atinge há muito tempo. Não seria simplesmen­te porque qualquer criança é sempre mais interessan­te do que um adulto?

Em outros momentos, essa má consciênci­a retorna. Pior é o cinismo: Salles, que, como o filósofo Jean-Paul Sartre, parece não ver razão para a rebeldia destrutiva e nada propositiv­a do estudante Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do Maio de 1968, parece nos dizer que é inútil ir às ruas e protestar, porque o sistema vencerá sempre.

Entremos então em modo irônico (sempre é bom avisar). Aceitemos, portanto, tudo que nos é imposto e sejamos conformist­as. Com muito dinheiro no bolso, que é bem mais fácil. DIREÇÃO João Moreira Salles PRODUÇÃO Brasil, 2017; 12 anos QUANDO hoje, às 21h, e dom. (30), às 17h, no Cinearte, em SP AVALIAÇÃO regular

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