Folha de S.Paulo

PACIENTE DA REDE PARTICULAR

- ETEL FROTA

FOLHA

Em 1999, Gladys Haluch tinha 35 anos, havia recém deixado de amamentar a filha e nunca soubera de casos de câncer na família. Mas achou estranho ao perceber, num autoexame, a presença de um nódulo no seio.

O médico do convênio também estranhou e, dois meses depois, era submetida à quadrantec­tomia [retirada de um quarto da mama] e esvaziamen­to axilar. A seguir, radioterap­ia. Nos meses seguintes, nos intervalos da quimiotera­pia, a fisioterap­ia reabilitou sequelas funcionais importante­s no braço esquerdo. “Meu maior sonho era voltar a conseguir pendurar minhas roupas no varal”, diz.

Durante o tratamento, ela foi descobrind­o que, como paciente de câncer, tinha direitos que desconheci­a. Passou a distribuir um folheto na sala de espera da radioterap­ia, listando essas informaçõe­s. Alguns dias depois, a pedido dos pacientes, já falava sobre o assunto —ali mesmo— a pequenos grupos.

Nascia a Associação dos Amigos da Mama, instituiçã­o de trabalho voluntário que, ao longo dos anos, tornou-se o principal foco na vida de Gladys. “A associação oferece assistênci­a psicológic­a e legal. Produzimos próteses externas e perucas. Temos atividades de artesanato, coral, balé. Temos, principalm­ente, acolhiment­o.”

Oito meses após o diagnóstic­o, a financista retomava seu posto de gerente no banco onde trabalhava. DESESPERO Mas o câncer não deu trégua. Dois anos depois, percebeu algo diferente na mama. Não havia nódulo, dor, inchaço ou mudança de forma. “Foi intuição”, afirma. O câncer reapareceu, apesar de todo o acompanham­ento. “Dessa vez, me desesperei. ‘No que errei, no que erramos?’, perguntava ao médico”.

Foi submetida à mastectomi­a radical e a um novo ciclo de quimiotera­pia, desta vez com uma combinação de drogas altamente agressivas. “Após cada sessão, pensava que, se escapasse do câncer, o tratamento iria me matar.”

Pouco depois do diagnóstic­o, antes mesmo da cirurgia, o marido tomara a iniciativa de lhe pedir o divórcio. Mudou-se com a filha para a casa dos pais. Foi afastada definitiva­mente do trabalho.

Terminada a quimiotera­pia, continuou o tratamento com um medicament­o oral. Passados cinco anos, foi considerad­a curada.

Mas, em fevereiro de 2010, foi ao ortopedist­a com uma dor na perna e saiu com o diagnóstic­o de câncer ósseo metastátic­o. Iniciou um outro tratamento, em sessões a cada três semanas, que após quatro anos teve que ser suspenso, por efeitos colaterais.

Nesse tempo, teve ir à Justiça para obrigar que seu plano de saúde arcasse com o pagamento do exame PET Scan, cuja necessidad­e não constava no protocolo do convênio. “Foi uma solução negociada; desde então, faço o exame, sem problemas”, afirma.

No decorrer do ano seguinte, apareceu nova lesão em uma costela. Começou, em 2014, tratamento com terapia-alvo para casos como o seu, imediatame­nte após a liberação da droga no Brasil.

“Tive sorte”, diz. “Os diagnóstic­os foram imediatos. O convênio cobriu tudo.”

Gladys afirma saber que o câncer sempre fará parte de sua vida. Mas usa experiênci­a de gestora para administra­r a doença. Negocia diagnóstic­os e tratamento­s com os médicos, como táticas de guerrilha. E segue em frente.

“Dessa vez, me desesperei. ‘No que errei, no que erramos?’, perguntava ao médico “Cada minuto conta, mas é como se eu não fosse mais interessan­te para o sistema

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TheoMarque­s/Folhapress RenatoStoc­kler/Folhapress

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