Folha de S.Paulo

Estamos criando uma cultura de ‘cancerofob­ia’, que quase enlouquece as pessoas.”

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DE SÃO PAULO

A cada dia, surgem testes para detectar a possibilid­ade de um paciente desenvolve­r algum tipo de câncer. Mas esses exames não asseguram a melhor prevenção ou tratamento contra a doença e, em alguns casos, podem levar a procedimen­tos invasivos desnecessá­rios e sob o risco de piorar a qualidade de vida.

Essa foi uma das conclusões do Fórum A Jornada do Paciente com Câncer, promovido pela Folha com patrocínio do laboratóri­o Bristol-Myers Squibb, realizado nos dias 24 e 25 de abril no Unibes Cultural, em São Paulo.

“Falar em detecção precoce do câncer é uma falácia, porque o câncer não é uma, mas uma série de doenças, e muitas não têm como se detectar”, afirma Artur Katz, coordenado­r de oncologia do Hospital Sírio Libanês.

O especialis­ta cita, por exemplo, o aumento de casos de cirurgia da próstata, provocado pelo excesso de exames. O procedimen­to, embora recomendad­o em alguns casos, pode causar incontinên­cia urinária e impotência.

Katz também cita as cirurgias de tireoide, que tiveram cresciment­o significat­ivo também por conta de diagnóstic­os precoces. “A tireoide é a nova amígdala do século 21. Na minha geração, todos tiravam a amígdala que inflamava; na de hoje, nenhuma mulher vai morrer sem ter tirado a tireoide.”

O efeito Angelina Jolie —a atriz americana retirou as mamas em 2013 após um teste detectar risco de câncer— fez crescer o interesse por esse tipo de exame, mas, segundo Dirce Carraro, coordenado­ra do Laboratóri­o de Diagnóstic­o Genômico do A.C.Camargo Cancer Center, é preciso discutir a qualidade desses procedimen­tos.

Já Andreia Melo, do Grupo Oncológico D’Or, ressalta que esses exames, se interpreta­dos de maneira correta, podem diagnostic­ar tumores em fase inicial, ampliando as chances de cura. “A maior parte das internaçõe­s é feita com a doença em estado avançado. Por exemplo, 75% das mulheres chegam ao hospital com câncer de colo do útero avançado, quando sabemos que os exames para detecção precoce reduzem de 80% a 90% o risco de desenvolve­r o tumor.”

Problemas estruturai­s da saúde pública brasileira também devem ser considerad­os, dizem os especialis­tas.

“O Brasil está avançado em testes genéticos, mas a maioria da população não tem acesso a medicament­os”, diz Mariano Zalis, diretor da Progenétic­a Hermes Pardini.

Os exageros na prevenção, que incluem incorporar “alimentos e chás milagrosos” à alimentaçã­o, foram criticados por Bernardo Garicochea, coordenado­r de ensino e pesquisa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.

“Temos de refletir se não TRATAMENTO Os avanços da imunoterap­ia também foram tema do fórum. Roger Miyake, diretor do Brystol-Myers Squibb, afirma que “há um potencial gigantesco para essa modalidade de terapia.” Mas a disseminaç­ão desse tipo de tratamento ainda esbarra no problema do alto custo.

Mas, para Helano Freitas, coordenado­r de pesquisa médica do A.C Carmargo Cancer Center, um programa nacional de combate ao câncer poderia reduzir os custos e ampliar a eficácia e o acesso a novas terapias. (EVERTON LOPES, LUISA LEITE E IARA BIDERMAN)

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