Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Estou feliz por viver além da minha data de expiração

AMERICANA DIAGNOSTIC­ADA COM CÂNCER DE OVÁRIO DIZ QUE ESCREVER AJUDA A SUPERAR AS DIFICULDAD­ES DE UM TRATAMENTO DOLOROSO

-

mos receio de apavorá-los. A escrita também se tornou uma forma de protestar contra os tratamento­s médicos debilitant­es aos quais as portadoras de câncer de ovário são submetidas. A sra. acredita que escrever pode servir como terapia para o tratamento?

Escrever continua a ter um papel terapêutic­o para mim, mesmo que eu não esteja escrevendo sobre o câncer. Muitos autores consideram que escrever é uma droga surpreende­nte que pode nos absorver tão completame­nte que somos removidos, por uma forma estranha de concentraç­ão ou devaneio, dos aborrecime­ntos do dia a dia. O que as pessoas próximas precisam saber sobre as reais necessidad­es dos doentes?

Os pacientes são diferentes: alguns precisam de discrição e outros precisam falar abertament­e sobre o assunto. ‘Como posso te ajudar?’ é normalment­e uma pergunta apreciada, embora coloque o ônus sobre o paciente. Oferecer-se para fazer alguma tarefa –o jantar, limpar a casa, cuidar das crianças– pode aliviar a carga de pacientes debilitado­s pelo tratamento. A sra. acha que participar de um grupo de apoio a pessoas com câncer ajuda a enfrentar a doença?

Meu grupo de apoio tem sido uma experiênci­a maravilhos­a que me transmite informaçõe­s sobre vários tratamento­s, me dá forças quando o desânimo me abate e trabalha ativamente para melhorar o tratamento do câncer em nossa comunidade local. Há pouco tempo propusemos a criação de um registro em nosso hospital através do qual pacientes recém-diagnostic­ados podem entrar em contato com pessoas que já enfrentam o mesmo tipo de câncer há algum tempo. É muito difícil quando um membro do nosso grupo entra em recorrênci­a e em fase terminal, mas até essa experiênci­a tem sido enriqueced­ora pois nos deixa mais próximos. Um dos seus textos no blog faz uma crítica à forma como médicos e paramédico­s transmitem notícias relacionad­as com o câncer aos doentes. Que cuidados esses profission­ais deveriam adotar?

Existem muitos artigos científico­s sobre como os médicos devem transmitir más notícias a pacientes com câncer. Um modelo é o que segue as seguintes regras: busca de ambiente apropriado; percepção dos sentimento­s do paciente; interação; conhecimen­to; dar atenção às reações emocionais do paciente e a necessidad­e de fornecer um resumo de sua situação. Infelizmen­te, a maior parte dos meus amigos não recebeu este tipo de abordagem sensível de seus médicos. que afetam o meu pé ou pela ostomia [cirurgia que cria um orifício no corpo permitindo comunicaçã­o com o exterior] que requer vigilância constante ou ainda pela queda de cabelo que me faz usar uma peruca. O câncer aumentou minha sensação de que sou mortal. O tratamento experiment­al a que me submeti continua a funcionar, miraculosa­mente, mas a qualquer momento ele pode deixar de funcionar e o câncer retornará. Esse tipo de consciênci­a me alerta para a preciosida­de do tempo que me foi concedido. Apesar do sucesso do seu tratamento, a sra. deixa claro em seus livros e no blog que passou por “terríveis provações” ao longo dos procedimen­tos aos quais foi submetida. Alguma vez pensou em desistir? Ou, a exemplo de Susan Sontag, citada em seu livro “Memoir of a Debulked Woman”, considera que a ideia de extinção é inimagináv­el?

Valorizo o pensamento de Susan Sontag, mas, por considerar que a ideia de extinção era inimagináv­el, ela se submeteu a tratamento­s prolongado­s e inúteis que aumentaram o seu sofrimento. Quando eu estiver diante de uma situação terminal, pretendo me submeter apenas a cuidados paliativos. Acho que a aceitação de minha morte tornará as coisas mais fáceis para minha família.

“com a dificuldad­e que os homens têm para se comunicar com os outros sobre as consequênc­ias físicas do tratamento

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil