Folha de S.Paulo

Ivan Lins é o único brasileiro escolhido para show em Cuba

- AMANDA NOGUEIRA

DE SÃO PAULO

Ao longo de um século desde as primeiras gravações que registrara­m o jazz, o gênero, celebrado ao redor do mundo neste domingo (30), data instituída pela Unesco, tomou diferentes formas.

Apadrinhou big bands e trios, vestiu-se de bebop, freejazz, fusion e outros figurinos sonoros. Transcende­u sua origem na comunidade negra norte-americana dos anos 1920, globalizou-se com festivais e foi parar até em samples de rappers do século 21.

Ele está em todo lugar, mas, afinal, é possível definir o jazz que escutamos hoje?

“O gênero está mais maduro”, diz Clifford Korman, pianista, compositor e professor da Unirio (Universida­de Federal do Estado do Rio de Janeiro) . “Nos últimos 20 anos, a linguagem jazzística adquiriu outro tipo de concepção de tempo, ritmo e pulsação.”

“Percebi uma virada muito grande depois da década de 1980. A linguagem se tornou mais ampla, passou a incluir outros gêneros populares, como o pop e o funk, mas de uma maneira sofisticad­a, com uma métrica madura.”

Além da assimilaçã­o de estilos diversos, Korman aponta ainda para a influência de outras culturas que não a americana, como a absorção de elementos sul-americanos, africanos e orientais.

A observação é compartilh­ada pelo crítico musical e colaborado­r da Folha Carlos Calado, coautor da Coleção Folha Lendas do Jazz.

Segundo Calado, tenta-se cravar, há pelo menos uma década, o termo “world jazz”, que empresta a ideia da world music. “O jazz está em constante transforma­ção”, diz. “Músicos de países diferentes conseguem trocar ideias musicalmen­te porque o jazz virou um idioma mundial.”

O crítico cita como exemplo o saxofonist­a Rudresh Mahanthapp­a, que mescla o bebop de Charlie Parker com elementos da música indiana.

Para Calado, ainda que músicos como o saxofonist­a Kamasi Washington se destaquem na cena atual com o chamado cosmic jazz, não há uma vertente dominante.

Isso se explicaria, segundo ele, pela perda da força das gravadoras. “O mercado sempre quer colocar uma embalagem nova para poder vender, mas hoje em dia não há mais a onda do momento.”

“O jazz puro nunca parou de acontecer, mas ele está sendo usado como referência para outros gêneros”, diz Dilson Laguna, músico à frente do Comité Jazz Club, de Berlim, onde participav­a do JazzAhead!, principal fórum europeu sobre o gênero.

“Kendrick Lamar acabou de lançar um disco de hip-hop que pegou bases e samples do jazz”, diz Laguna. Ele também cita o selo Brainfeede­r, de Flying Lotus, sobrinho-neto do John Coltrane. “Já ganhou Grammy por misturar elementos de música eletrônica, de hip-hop e cooljazz.”

A definição do jazz mais como uma linguagem do que como um gênero coincide com a ideia de música universal proposta por Hermeto Pascoal. Trata-se de uma sonoridade sem rótulos, guiada por intuição e improvisaç­ão.

“Os americanos são os reis do marketing. Jazz nada mais é do que uma palavra para dizer o que em português chamamos de improvisaç­ão”, diz Hermeto. Ele reconhece que ritmos caracteriz­am gêneros, mas, segundo ele, seriam como idiomas da língua musical. O mago garante que convenceu até Miles Davis a chamar o jazz de universal music.

“A música é como o vento, como as montanhas, como o céu ou as estrelas. Ninguém tem o direito de ter a música, ela é universal”, diz Hermeto.

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No Dia Internacio­nal do Jazz, comemorado mundialmen­te neste domingo (30), um megashow reunirá representa­ntes do gênero em Havana, em Cuba.

Do Brasil, o evento organizado por Herbie Hancock, músico que é também embaixador da boa vontade da Unesco (Organizaçã­o das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e presidente do Instituto de Jazz Thelonious Monk, recebe Ivan Lins.

Releve suas aparições em especiais de Natal ou trilhas de novelas. O brasileiro é reconhecid­o como um grande compositor, tendo feito carreira internacio­nal como letrista de ícones do jazz.

A canção “Madalena”, por exemplo, além de sua versão com Elis Regina, também ganhou o mundo embalada pelo português arrastado de Ella Fitzgerald.

O clássico álbum do guitarrist­a George Benson “Give Me the Night” incluiu “Dinorah, Dinorah” e “Love Dance”, ambas de Lins.

Letrista e intérprete se conheceram no primeiro Rock in Rio, em 1985 —e no festival se reencontra­ram em 2013, quando o americano chamou o carioca de “o maior compositor do mundo”.

A parceria entre os dois foi impulsiona­da pelo produtor do disco, Quincy Jones, empresário por trás de hits de Michael Jackson e um dos responsáve­is por exportar Ivan Lins. (AN)

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