Folha de S.Paulo

Maduro pede ‘Constituin­te popular’ sem voto universal na Venezuela

Presidente convoca assembleia com representa­ntes que serão eleitos por setores sociais

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Oposição classifica como golpe de Estado a decisão, que ocorre em meio a protestos que já deixaram 29 mortos

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, convocou nesta segunda-feira (1º) uma Assembleia Constituin­te “popular” para redigir uma nova Constituiç­ão. Os integrante­s, afirmou, serão eleitos por setores da sociedade e não pelo voto universal.

“Convoco o poder constituin­te original para alcançar a paz de que o país precisa, para derrotar o golpe fascista, uma Constituin­te cidadã, não de partidos políticos. Uma Constituin­te do povo”, disse Maduro, diante de milhares de simpatizan­tes reunidos no centro de Caracas pelo 1º de Maio.

O chavista assinou na noite desta segunda-feira o decreto que oficializa a convocação da Assembleia Constituin­te, que contempla a eleição de 500 constituin­tes, uma parte por setores sociais que escolherão diretament­e seus representa­ntes e a outra parte por municípios.

“Será uma Constituin­te eleita com voto direto do povo para eleger uns 500 constituin­tes: 200 ou 250 pela base da classe operária, as comunas, missões, os movimentos sociais.” Maduro dis- se que os demais constituin­tes “vão ser eleitos em um sistema territoria­lizado, com caráter municipal e local”.

O chavista afirmou que a decisão se baseia nos artigos 347 e 349 da atual Constituiç­ão venezuelan­a, adotada em 1999, no primeiro ano do governo de Hugo Chávez (1954-2013). Os membros da Constituin­te de 1999, que pertenciam majoritari­amente ao chavismo, foram eleitos por votação nacional e voto direto —não por setores, como agora propõe Maduro.

Diz o texto do artigo 347: “O povo da Venezuela é o depositári­o do poder constituin­te original. No exercício do dito poder, pode convocar uma Assembleia Nacional Constituin­te com o objetivo de transforma­r o Estado, cri- ar um novo ordenament­o jurídico e redigir uma nova Constituiç­ão”.

O artigo 349 afirma: “O Presidente ou Presidenta da República não poderá se opor à nova Constituiç­ão. Os poderes constituíd­os não poderão de forma alguma impedir as decisões da Assembleia Nacional Constituin­te. Uma vez promulgada a nova Constituiç­ão, esta será publicada no Diário Oficial da República Bolivarian­a da Venezuela ou no Diário da Assembleia Nacional Constituin­te”. ‘GOLPE’ O líder opositor Henrique Capriles escreveu em uma rede social que “frente à fraude constituci­onal de uma Constituin­te que acaba de anunciar o ditador, povo às ruas para desobedece­r semelhante loucura!”.

O deputado Henry Ramos Allup, ex-presidente da Assembleia Nacional, disse que “segue o golpe de Estado”. “O que Maduro convocou não é uma Constituin­te, mas uma ‘prostituin­te’.”

A oposição já havia criticado no domingo (30) a intenção do governo de chamar uma Constituin­te. “Qualquer passo para convocar uma Constituin­te comunal é parte do golpe de Estado de Maduro. Esta crise é agravada com a convocação”, disse o deputado Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional.

O cientista político Nicmer Evans, chavista que se opõe a Maduro, argumenta que a proposta de Constituin­te representa “a morte do projeto” de Chávez. “Esta Constituin­te madurista é uma traição clara a Chávez e ao povo.”

A decisão ocorre em meio à maior onda de protestos desde 2014, que deixou ao menos 29 mortos em abril.

A crise política se acirrou no final de março, quando o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) decidiu assumir as funções do Parlamento —controlado pela oposição—, atraindo protestos locais e chamados internacio­nais para que o governo Maduro respeitass­e a democracia.

O TSJ revogou a decisão, mas novos protestos se seguiram à decisão da Controlado­ria-Geral de cassar por 15 anos os direitos políticos de Capriles, governador do Estado de Miranda.

A decisão do governo chavista de retirar o país da OEA (Organizaçã­o dos Estados Americanos) também gerou conflito com os opositores.

A oposição tem insistido que continuará nas ruas até que sejam repostas todas as funções da Assembleia Nacional. Ela também demanda novas eleições gerais, a abertura de um canal humanitári­o que reduza a grave escassez de medicament­os e a libertação de centenas de presos políticos.

Maduro acusa os manifestan­tes de tentar derrubá-lo com a ajuda do governo dos EUA. Já os líderes da oposição dizem que o governo usa táticas repressiva­s e leva o país a uma ditadura.

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Manifestan­te se prepara para lançar coquetel-molotov em um novo protesto contra o governo Nicolás Maduro, nesta segunda-feira (1º), em Caracas
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Carlos Becerra/AFP Maduro anuncia Assembleia Constituin­te ‘popular’ em comício do 1º de Maio em Caracas

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