Folha de S.Paulo

Ex-varredor de rua, Tapia assume o comando do caótico futebol argentino

- ALEX SABINO

Claudio Tapia, 49, se irritou a cada pergunta, até explodir: “Quem diz que o presidente é ex-varredor de rua é retardado”, afirmou após ser eleito para dirigir a Associação de Futebol Argentino.

Reclamava ser vítima de preconceit­o, mas a menção é verdadeira. O presidente da AFA varreu ruas em Buenos Aires. Chegou ao poder pela falta de união dos grandes e apoio dos pequenos.

Apelidado de “Chiqui” por causa da baixa estatura, foi presidente por 16 anos do Barracas Central, clube da B Metropolit­ana, a 3ª divisão.

Ele assume a AFA no momento em que a seleção vive uma crise. Em 5º lugar das eliminatór­ias, corre o risco de não ir à Copa na Rússia.

“Ele ouve os anseios de todos. Não só dos grandes”, disse Martín Camarero, vice do Brown de Adrogué.

Esperto, Tapia percebeu o vácuo no poder. Também viu que os principais clubes estavam sem comando. Não se entendiam para escolher o sucessor de Julio Grondona, capo do futebol local entre 1979 e 2014, quando morreu.

Sem consenso, a AFA foi governada por uma junta diretiva, que realizou eleição para presidente em dezembro de 2015. Estavam habilitado­s a votar 75 dirigentes. O resultado desafiou a matemática: terminou empatado em 38 votos. Setenta e seis cédulas foram colocadas na urna.

“Não pode ser...”, murmurava o vice da junta, Armando Perez, ao receber o papel com o resultado.

Foi neste momento que Ta- pia percebeu: poderia ser presidente. Dois anos depois, foi eleito como candidato único após acordo que também envolvia a cartolagem dos grandes clubes. Um deles foi Hugo Moyano, presidente do Independie­nte e seu sogro.

“Os times maiores têm divisões. Os clubes das divisões de acesso sabem que se não estão unidos, são comidos pelos grandes”, diz Ezequiel Fernandez Moores, colunista do diário La Nación.

A vida de Tapia mudou ao se casar com Paola Moyano. Ela é filha de Hugo Moyano, o então sindicalis­ta mais poderoso do país, secretário do sindicato dos caminhonei­ros e manda-chuva da Confederaç­ão Geral do Trabalho.

Hugo ainda é um dos “representa­ntes dos trabalhado­res” mais temidos. Além do poder de parar a Argentina, sua influência está retratada na frase que disse à ex-presidente da República Cristina Kirchner e reproduzid­a no livro “Él y Ella”, de Luis Majul.

“Você só não está presa porque seu marido se pendurou no saco de um juiz!”, ele teria dito a Cristina, citando caso de corrupção arquivado por influência do também expresiden­te Néstor Kirchner.

Graças a Moyano, Tapia cresceu no sindicato. Ao assumir a presidênci­a do Barracas Central, levou junto o dinheiro e patrocínio do Grêmio dos Caminhonei­ros.

Foi no distrito de Barracas, em Buenos Aires, que começou a angariar influência pessoal. Nas reuniões da AFA, observava o estilo de Grondona. Oferecer favores para ganhar confiança e dívidas que poderiam ser cobradas depois.

O novato aprendeu. Clubes COMEÇO Claudio Tapia nasceu em San Juan, próximo à cordilheir­a com o Chile, em família pobre. Cresceu ao lado do estádio do San Martin, seu clube do coração. Paixão que hoje divide com o Boca Juniors. Tem cadeira cativa em La Bombonera, casa do Boca.

“Ele possui o cargo mais importante do futebol argentino, mas isso não significa ser o mais poderoso”, diz Alessandro Cazar, repórter do La Nación, lembrando que o presidente precisa fazer concessões aos grandes clubes.

Tapia tem o bônus do cargo, mas muitos ônus. Precisa levar a Argentina à Copa. Tenta convencer Jorge Sampaoli a ser técnico da seleção. Tem de resolver as pendências financeira­s da associação. Os auxiliares do técnico Martino cobram US$ 3 milhões de salários não pagos.

Ele chegou ao poder, por dar um passo à frente em relação a Grondona. Don Julio fazia tudo pelos times de Buenos Aires. Quando criou o torneio nacional com 30 equipes, foi questionad­o sobre a irritação dos clubes fora da capital e disse a célebre frase: “Não me importa um caralho os clubes do interior!”

Ao assumir o cargo, Claudio Tapia, o filho de San Juan, afirmou:

“A AFA é de todos.”

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Eitan Abromovich - 29.mar.2017/AFP Claudio Tapia após ser eleito presidente da AFA na eleição em que foi o único candidato

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