Folha de S.Paulo

Acabou o terror penal, diz advogado de Lula e Palocci

Defensor afirma que Supremo decidiu ‘acima da turba ululante das ruas’

- MARIO CESAR CARVALHO

Analistas dizem que a Lava Jato vai sofrer uma guinada porque a decisão deve reduzir as prisões preventiva­s

O advogado José Roberto Batochio, que defende o expresiden­te Lula e o ex-ministro Antonio Palocci na Operação Lava Jato, usa metáforas fortes para definir a decisão da 2ª turma do Supremo de libertar o também ex-ministro José Dirceu: “O Supremo fez chegar ao Brasil o 9 de Termidor da Revolução Francesa”, comemora. “É a Justiça pairando acima da turba ululante das ruas”.

O 9 de Termidor, que correspond­e a 27 de junho de 1794 no calendário gregoriano, foi o fim do período do terror, o basta à guilhotina e o fim do seu principal símbolo, Robespierr­e, que acabou guilhotina­do no dia seguinte.

Segundo Batochio, “a decisão do Supremo muda a situação do direito penal de terror no Brasil”. Nessa metáfora, o juiz Sergio Moro seria o Robespierr­e da Lava Jato.

A decisão não deve mudar todo o direito penal no país, que tem como fregueses habituais não apenas empresário­s e políticos, mas fere num grau inédito a Operação Lava Jato. BENEFICIAD­OS Lula e Palocci são os primeiros beneficiad­os por essa decisão, segundo analistas ouvidos pela Folha. Todos os presos da Lava Jato podem surfar na decisão do STF.

A delação de Palocci, por exemplo, deixa de ser um questão agonizante e desesperad­ora para o ex-ministro com a nova perspectiv­a de que o Supremo poderá revogar a sua prisão. Se Palocci decidir não delatar, os bancos serão os maiores beneficiad­os, já que ele prometia revelar práticas nada ortodoxas do sistema financeiro.

“Não é o fim da Lava Jato, mas é o fim das prisões preventiva­s. Essa decisão põe um freio muito forte nas prisões e na pressão para que haja mais delações”, diz Oscar Vilhena Vieira, diretor da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e pesquisado­r do STF.

Na última semana, o Supremo já havia sinalizado que Dirceu iria para casa ao soltar o empresário Eike Batista, o ex-tesoureiro do PP João Carlos Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai.

Segundo Vilhena, as investigaç­ões não vão acabar porque há uma quantidade nada desprezíve­l de provas já reunidas, sobretudo as colhidas na megadelaçã­o da Odebrecht, mas a operação talvez não consiga chegar a dois setores que os procurador­es considerav­am estratégic­os: os bancos e o Judiciário.

Advogado da ex-presidente Dilma Roussef (PT) e do senador Aécio Neves (PSDBMG), o advogado Alberto Toron classifica de “histórica” a decisão da 2ª turma do Supremo: “O STF resgata o seu papel de guardião da liberdade, remarcando a ilegalidad­e de se prender preventiva­mente como forma de punição antecipada”.

Toron discorda da avaliação, comum entre procurador­es da operação, de que a Lava Jato passa a correr riscos com a decisão de libertar Dirceu. “É apenas uma soltura. Nada mais. É um alerta contra o uso abusivo da prisão preventiva. Admitir o contrário é acreditar que só se po- de apurar prendendo o que escancara a ilegalidad­e. A Lava Jato seguirá firme e forte”.

Há também a possibilid­ade de que a libertação de Dirceu e todo o simbolismo que ela carrega sofra um revés a curtíssimo prazo.

Dirceu foi solto pela 2ª turma do Supremo porque havia sido condenado duas vezes pelo juiz Sergio Moro, mas em nenhum dos casos houve confirmaçã­o das sentenças em segunda instância. Uma decisão do Supremo determina que só condenados em segunda instância devem começar a cumprir a pena.

A primeira dessas condenaçõe­s, a 23 anos e 3 meses de prisão, ocorreu em maio de 2016. O TRF (Tribunal Regional Federal) de Porto Alegre, que julga as apelações da Justiça de Curitiba, não demora mais do que um ano para julgar o recurso. Se essa regra perdurar no caso de Dirceu, ele pode voltar para a prisão ainda neste mês.

O tribunal de Porto Alegre não tem apenas confirmado as sentenças de Moro. Em alguns casos, como o do empresário Léo Pinheiro, o TRF aumentou a pena. A condenação original, de 16 anos, passou para 26 anos.

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