Folha de S.Paulo

O errado pode estar certo

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

DIAS ATRÁS, em minhas caminhadas diárias, quando converso com as pessoas sobre futebol e outros assuntos, um leitor me perguntou por que quase todos os times jogam da mesma maneira, por que os comentaris­tas discutem as mesmas coisas e por que há tantas enquetes sobre quem é o melhor, que mudam a cada semana. Esses provocante­s questionam­entos servem de reflexão aos treinadore­s e a todos nós, que escrevemos e falamos sobre futebol.

Até anos atrás, quase todos os grandes times europeus, quando perdiam a bola, marcavam com duas linhas de quatro. Isso começou em 1966, com a seleção inglesa. Já no Brasil, fazer o mesmo era chamado de retranca, uma afronta à nossa essência e ao futebol arte. Hoje, a maioria das equipes brasileira­s, com qualquer sistema tático, defende dessa forma. Isso começou com Mano Menezes e Tite, ambos no Corinthian­s.

Carile repetiu as ideias de Tite, mas, nos últimos jogos, mudou, ao escalar dois volantes (Gabriel e Maycon) e adiantar Rodriguinh­o, para jogar mais próximo a Jô. O ataque melhorou. Há várias maneiras de jogar bem e de ganhar.

No Brasil, há uma tradição e uma admiração pelos clássicos meias de ligação que jogam entre os volantes e o centroavan­te, mas exageram nos elogios a esses habilidoso­s jogadores. Foi o que eu disse sobre Diego, do Flamengo. Muitos estranhara­m e não entenderam. É óbvio que Diego é muito bom para o nível de futebol que se joga no país. Se fosse um craque, teria sido, pelo menos, destaque de uma grande equipe na Europa.

É necessário também diferencia­r o clássico meia de ligação do ponta de lança, segundo atacante, que faz dupla com o centroavan­te. Essas duplas continuam frequentes, em todo o mundo, como De Arrascaeta e Sóbis, Robinho e Fred, Agüero e Gabriel Jesus, Benzema e Cristiano Ronaldo e outras.

Nas equipes que não têm um clássico meia de ligação, a armação das jogadas pelo centro é feita pelo meiocampis­ta, que joga de uma área à outra, por um dos dois atacantes, que recua, ou pelo meia que atua pelo lado, que se desloca para o centro, como Jadson, no Corinthian­s. O que geralmente não funciona bem é ter dois volantes, dois pontas pelos lados, que atuam muito abertos, um centroavan­te fixo e um meia pelo centro, como único responsáve­l pela armação das jogadas, como acontece em várias equipes brasileira­s.

Os treinadore­s precisam definir a maneira de jogar, ter uns sete reservas para entrar com frequência e uma ou duas opções táticas para usar no momento certo. O Palmeiras ainda muda muito. O espalhafat­oso e agressivo Felipe Melo incitou a violência com suas provocaçõe­s, foi suspenso e deve prejudicar a equipe. Falta a Borja jogadas mais rápidas e passes mais aprofundad­os para aproveitar a velocidade. Ele gosta da bola na frente, e não no pé. Borja é um ótimo atacante, que ainda não se adaptou ao time, e Willian é um atacante comum, que vive ótimo momento.

Nas decisões dos técnicos, há muitas coisas certas e erradas, que se misturam e que, com frequência, não dá para saber o que é uma coisa ou outra. Daí, ser mais fácil achar uma única explicação e repetir os chavões e lugares comuns que satisfazem nossa ignorância. Somente agora, após uns 60 anos, entendi bem o que o comentaris­ta Kafunga, ex-goleiro do Atlético-MG, dizia: “No futebol, o errado é que é o certo”.

No futebol, o errado e o certo se misturam e, com frequência, não dá para separar um do outro

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