Folha de S.Paulo

Adaptação a seco

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Embora os olhos do país se voltem para o Planalto e as reformas em exame no Congresso, outro enredo digno de atenção —antigo e dramático— se desenrola no Nordeste: a seca. Seu espectro já ronda as capitais da região, normalment­e pouco afetadas pela estiagem.

Com exceção de Teresina, sedes de governos nordestino­s se localizam no litoral e recebem umidade do oceano. A precipitaç­ão em geral acima de 1.000 mm por ano as localiza fora do chamado semiárido, mas nem por isso se acham agora a salvo de grave crise hídrica.

No Grande Recife, 800 mil habitantes já enfrentam racionamen­to em Olinda, Abreu e Lima, Igarassu e Paulista. O rodízio implantado faz com que recebam água num dia e fiquem outros cinco sem ela.

A pior situação entre os reservatór­ios que abastecem a região metropolit­ana está no de Botafogo, com 12% da capacidade, e a melhor, no de Pirapama (36%). Se não chover o bastante até julho, o rodízio pode chegar à capital.

Em Salvador, que não tem racionamen­to há 45 anos, o reservatór­io Joanes 2 caiu para 9% e depende agora da transposiç­ão de água do de Pedra do Cavalo (24%).

O Castanhão, que garante boa parte da distribuiç­ão em Fortaleza, encolheu a 6% do volume usu- al. Medidas emergencia­is asseguram água para domicílios, mas a cota da indústria já caiu 20%.

Assim como na Grande São Paulo, é prudente ir além das medidas de urgência, como recorrer ao chamado volume morto, e preparar-se para um cenário de escassez que pode tornar-se crônico. Em especial no Nordeste, que entra no seu sexto ano de estiagem.

Embora essa longa fase seca tenha precedido o forte fenômeno El Niño de 2015/16, este com certeza contribuiu para sustentá-la e alongá-la. O quadro ameaça complicar-se agora que a Organizaçã­o Meteorológ­ica Mundial calcula entre 50% e 60% a probabilid­ade de outro El Niño no segundo semestre.

A reedição dessa anomalia no oceano Pacífico em intervalo tão curto pode bem ser um efeito da mudança climática global. Qualquer que seja a causa, a perspectiv­a de El Niños mais frequentes recomenda investir mais recursos na adaptação da infraestru­tura hídrica e urbana à nova realidade.

Para começar, há que reduzir o nível de perdas registrado no Nordeste. Cerca de 45% da água tratada e distribuíd­a se esvai na rede, índice acima da média nacional de 37%. São 390 litros desperdiça­dos por dia em cada ligação, água que faz cada vez mais falta.

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