Folha de S.Paulo

Abatido por crise, norte industrial da França adere a Marine Le Pen

Discursos radicais prosperam em regiões que viram fábricas migrarem e enfrentam desemprego

- RODRIGO VIZEU

Hayange tem prefeito que se converteu do socialismo à Frente Nacional e faz da cidade laboratóri­o do partido

Há muitas formas de o fechamento de uma usina siderúrgic­a com 2.600 empregados afetar uma cidade de 15 mil habitantes que dela dependia. Em Hayange, no leste da França, a reação foi de crise de personalid­ade.

A cidade, com tradição de apoio à esquerda, deu no primeiro turno da eleição presidenci­al em 23 de abril a maioria de seus votos à Frente Nacional, da direitista ultranacio­nalista Marine Le Pen.

A unidade da ArcelorMit­tal, entre Hayange e a vizinha Florange, foi fechada em 2012. Outrora próspera na produção de aço, a área localizada no departamen­to de Moselle não conseguiu fazer frente à competição global e viu sua importânci­a no setor decair nas últimas décadas.

A desproporç­ão entre o gigantismo da usina abandonada e a pequena Hayange, ao lado, esfrega diariament­e o passado na cara da cidade.

Em uma rua onde funcionava um dos edifícios da ArcelorMit­tal é possível ver os resquícios de fachadas de pequenos negócios que brotaram em torno dela.

O atual presidente, François Hollande (socialista ), fechou um acordo para preservar parte dos empregos perdidos, mas ficou com a imagem de coveiro na região.

Em maio de 2012, antes da saída de ArcelorMit­tal e com a presença dos atuantes sin- dicalistas do setor, Hollande conseguiu vencer.

Neste ano, porém, quem ficou na frente foi Le Pen, com 33,5% das preferênci­as. Um de seus motes é se vender como a candidata dos “esquecidos” da França.

O segundo foi o ultraesque­rdista Jean-Luc Mélenchon, também antissiste­ma, com 23,3%. O centrista Emmanuel Macron veio em terceiro, com 19,2%.

A guinada ideológica da cidade se personaliz­a em seu prefeito, Fabien Engelmann. Ex-sindicalis­ta de uma das principais centrais francesas e ex-militante do partido Luta Operária (esquerda radical), migrou para a Frente Nacional de Marine Le Pen.

A virada do prefeito ecoa nas ruas. Uma aposentada à espera do ônibus conta que votou na candidata nanica da Luta Operária, mas que, no segundo turno, vai de Le Pen.

“Vejo sentido, eu gosto dela. Macron tem a mesma política de todos que deixaram a usina quebrar e nunca fizeram nada”, diz ela antes de ser proibida pelo marido de revelar o nome. Para ele, que trabalhou na ArcelorMit­tal, falar com a imprensa sobre a eleição “é perigoso”. EXTREMOS QUE SE UNEM O cientista político Stephane Wahnich, professor da Universida­de Paris-Est Créteil e autor de livros sobre a Frente Nacional de Le Pen, diz que não surpreende a substituiç­ão de radicalism­os.

Ele lembra que a região tem o autoritari­smo em seu passado, tendo feito, assim como a Alsácia, parte do império alemão entre 1871 e 1919 e do 3º Reich na Segunda Guerra Mundial.

É com ênfase na autoridade e na ordem pública que o prefeito Engelmann faz de Hayage um dos laboratóri­os da Frente Nacional.

Sua prefeitura —enfeitada com o busto do marechal napoleônic­o Gabriel Molitor— tem na entrada o aviso de que a segurança foi reforçada, pois há risco de atentado.

O prefeito espalhou câmeras de monitorame­nto, placas lembrando o valor das multas para sujeira na rua e estacionam­ento ilegal e cartazes proibindo que se jogue futebol nos amplos calçadões da cidade.

“Só quem não gostou foram os traficante­s”, diz o entregador Patrick Coutolet, 43.

Genro de outro demitido da ArcelorMit­tal e eleitor do direitista católico François Fillon no primeiro turno, Coutolet se diz “indeciso” para o segundo, neste domingo (7). Afirma querer alguém “livre e diferente”.

Para Wahnich, o voto que predomina na região de Hayange se explica pela necessidad­e dessa população “de mostrar que ainda existe”.

Mas ele defende que a melhor forma de combater o efeito de demissões não está em eleger o FN, mas em aperfeiçoa­r a formação profission­al.

“Ao lado da região de Moselle, há emprego na Alemanha ou em Luxemburgo, mas muitos esbarram na falta de formação por não falar a língua. É preciso armar as pessoas para a globalizaç­ão, o que não vemos na França.” Sem as duas siglas tradiciona­is da França —o Partido Socialista e os Republican­os— no segundo turno, a França enfrenta uma falta de mesários, já que são os filiados das duas agremiaçõe­s que conduzem as votações. O município de Marselha teve que pedir ajuda a voluntário­s para conseguir abrir suas 480 seções no domingo. A chanceler alemã, Angela Merkel, voltou a romper o protocolo segundo o qual governante­s estrangeir­os não escolhem candidatos para apoiar Emmanuel Macron. Ao jornal “Kölner Stadt-Anzeiger”, de Colônia, ela disse que a vitória do centrista seria positiva “porque ele representa políticas pró-Europa”. A adversária Marine Le Pen defende que a França deixe a União Europeia. O formato do debate presidenci­al francês é diferente do brasileiro. Os candidatos podem se interrompe­r. O controle é feito com um cálculo de tempo, com relógios exibidos abaixo de suas bancadas —com os quais têm direito a intervir mais tarde. A divisão da tela na TV para mostrar um candidato ouvindo enquanto o outro falava foi objeto de longa negociação entre os responsáve­is pela transmissã­o e as equipes dos candidatos, preocupada­s com as caras que eles fariam enquanto fossem atacados.

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Mato cobre entrada de siderúrgic­a fechada na região de Hayange, nordeste da França; cidade de cerca de 15 mil habitantes dependia da ArcelorMit­tal

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