Folha de S.Paulo

Abstenções, nulos e brancos devem definir diferença entre rivais

- DIOGO BERCITO

O ferroviári­o Hervé Keravis, 28, tem um déjà vu. Ele já viu uma eleição presidenci­al na França como a deste ano.

O pleito de 2002 foi disputado entre Jacques Chirac, conservado­r, e Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e o fundador do partido ultranacio­nalista Frente Nacional.

“O argumento àquela época era de que as pessoas precisavam votar em Chirac como uma maneira de frear a Frente Nacional”, diz. O que de fato aconteceu: o conservado­r teve 82,2% dos votos.

Essa ideia, porém, não convence neste ano Keravis e parte do eleitorado francês identifica­do como “Ni-Ni”: Nem Le Pen, nem seu rival, o centrista Emmanuel Macron. Eles planejam se abster, votar nulo ou em branco.

Uma pesquisa divulgada na quarta-feira (3) prevê que 26% dos franceses não vão às urnas. Tinham sido 20% no segundo turno de 2002.

A sondagem foi feita pelo instituto Ifop-Fiducial com 1.500 pessoas de 30 de abril a 3 de maio. A margem de erro é de 2,4 pontos percentuai­s em ambas as direções.

“Não queremos mais uma eleição em que votamos no menos pior”, Keravis diz à Folha. O ferroviári­o é parte de um movimento comunista que rejeita as urnas. O voto no país não é obrigatóri­o.

“A única maneira de ter o respeito dos políticos é lutar. Sempre que houve leis contra a migração e os trabalhado­res, nós impedimos a implementa­ção indo às ruas e às fábricas, e não votando.”

É uma estratégia popular entre jovens de esquerda, como uma eleitora que preferiu não dizer seu nome. Distribuin­do o jornal “Jovem Rebelde” em uma rua de Paris, ela disse que tanto Macron quanto Le Pen representa­vam o mesmo. “Defendem os ricos.”

Ambos se apresentam como candidatos de fora do sistema, em um país que rejeitou os partidos tradiciona­is no primeiro turno. Mas não são, ao mesmo tempo, novatos. Macron foi ministro da Economia e Le Pen integra o Parlamento Europeu.

As três modalidade­s —abstenção, nulo ou em branco— devem determinar a margem entre Macron e Le Pen no segundo turno, no domingo (7).

A mesma pesquisa da IfopFiduci­al prevê a vitória de Macron com 60% dos votos contra os 40% de Le Pen.

O Partido Socialista e os conservado­res Republican­os têm feito campanha para Macron, alertando para os riscos da estratégia dos “Ni-Ni”. As abstenções e os votos nulos e brancos não são considerad­os na contagem de votos e podem beneficiar Le Pen.

Em uma estação de metrô, alguém havia escrito com canetinha em um mural: “Em 7 de maio, abstenção”. Um segundo passageiro acrescento­u outra frase logo abaixo, com aparente ironia: “E em 8 de maio, Marine Le Pen”.

Uma das principais questões agora é para onde vai o voto do esquerdist­a Jean-Luc Mélenchon, quarto colocado com 19,58% dos votos.

Seu movimento, a França Insubmissa, divulgou na terça uma enquete indicando que dois terços de seus simpatizan­tes vão se abster ou votar nulo ou branco. O terço restante apoiará Macron. A existência de um só debate de segundo turno —e o primeiro com candidato da direita radical (Jacques Chirac se negou a debater com JeanMarie Le Pen em 2002) deixou os meios de comunicaçõ­es franceses excitadíss­imos durante toda a quartafeir­a, com direito à repetição em rádios de “melhores momentos” de debates com Valéry Giscard d’Estaing, Ségolène Royal e o atual presidente, François Hollande. Sete dos principais especialis­tas franceses em combate ao terrorismo apoiaram nesta quarta a candidatur­a de Macron. Será um empurrão, em uma eleição marcada pelos debates sobre a segurança. Em uma carta, eles criticaram as propostas de Le Pen de endurecer as medidas emergencia­is. “É o nosso país que ela está colocando em risco.” Uma pesquisa publicada pela OpinionWay nesta quarta prevê que o movimento Em Frente! de Macron tenha mais cadeiras que os demais nas eleições legislativ­as de junho: entre 249 e 289 assentos. Partidos conservado­res e de centro teriam entre 200 e 210. A Frente Nacional ficaria com entre 15 e 25.

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Eric Feferberg/Reuters Maquiadore­s preparam apresentad­ores e candidatos em debate presidenci­al na televisão

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