Folha de S.Paulo

FINAL FELIZ

Irmãos sírios relatam a jornada que 14 membros da família empreender­am durante quase dois meses, atravessan­do oito países até chegarem na Suécia

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teira, na Turquia, mas lá “os turcos eram mais bem tratados”. A opção era o Velho Continente. “Nós iríamos primeiro e ajudaríamo­s eles a ir depois”, conta Ahmad.

Entre os 14 membros do clã que enfrentara­m a travessia estavam a mulher de Ahmad —grávida— e seus dois filhos, a mulher de Farid com os três filhos, a irmã do pequeno Nabih e primos.

“Queríamos ir para a Suécia porque ouvimos que o governo lá estava tratando as pessoas de uma forma boa.”

O primeiro passo era deixar a Turquia rumo à Grécia. Um antigo empregado da fábrica colocou os Majid em contato com um coiote, que faria a travessia por barco pelo mar Egeu da costa turca até a ilha grega de Lesbos.

“Pagamos US$ 1.200 por pessoa, metade disso por cada criança”, lembra Ahmad. Havia cerca de 70 pessoas no barco, segundo ele.

Os cerca de sete dias na Grécia, Macedônia e Sérvia tiveram em comum a pressa dos respectivo­s governos em permitir a passagem do fluxo de refugiados em busca de nações europeias mais abertas, como a Alemanha.

No meio desse caminho, porém, estava a Hungria do premiê ultranacio­nalista Viktor Orbán, cujo governo adotou políticas anti-imigração.

“Foi pior do que o barco que pegamos da Turquia para a Grécia”, afirma Ahmad sobre os cinco dias passados na estação de trem Keleti, em Budapeste. “Estávamos com medo, ouvíamos o tempo todo que os húngaros iam vir depois de um jogo de futebol para bater nos refugiados.”

A possibilid­ade de ser fichado pela polícia era fonte de preocupaçã­o constante, relata ele. A tranquilid­ade veio com os ônibus organizado­s pelo governo para levar os refugiados na estação até Viena, na Áustria. De lá, seguiram para Munique.

A passagem pela Alemanha ocorreu sem sobressalt­os. Mas ao chegar na primeira cidade dinamarque­sa depois da fronteira alemã, uma surpresa: o governo decidira interrompe­r a passagem.

Não demorou para a família arranjar uma alternativ­a: uma balsa que saía de Rostock, na costa norte alemã, rumo à sueca Trelleborg.

“Nós fugimos da morte na Síria, mas nos vimos diante dela várias vezes nessa viagem”, pondera Farid. “Às vezes pensamos que não devíamos ter arriscado a vida das crianças e levado elas nessa viagem assustador­a.”

Mas, na Suécia, os Majid já constroem um lar. No país nórdico, a mulher de Ahmad, Jamila, deu à luz Farida. Lá, eles vivem há cerca de um ano e meio em Kristineha­mm, cidade de 18 mil habitantes.

“Depois de alguns meses em um campo, nos deram uma casa. Agora as crianças estão na escola, estão nos tratando como se fôssemos cidadãos suecos”, conta Ahmad, que diz ter planos de abrir um supermerca­do de produtos árabes ou uma padaria. “Mas precisamos aprender a língua primeiro.”

E quem ficou na Síria? “Minha mãe e meu pai estavam na Turquia e voltaram para Afrin com meu irmão. Estamos tentando trazê-los”, responde Farid. O pequeno Nabih não resistiu ao câncer. “Ele tem um lugar especial em nossos corações.”

Voltar para o país onde nasceram ainda é uma opção sobre a mesa. “Espero que as coisas melhorem e possamos voltar”, diz o irmão mais velho. “Porque o trabalho, a família, tudo está lá”, completa o mais novo.

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Maurício Lima/The New York Times Os Majid na jornada, em uma das fotos que rendeu a Maurício Lima prêmio Pulitzer

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