Folha de S.Paulo

Muro verde de Doria precisa de 1.500 km para efeito ambiental

Equivalent­e a 3 km, parede da 23 de Maio não compensa do ponto de vista ecológico a destruição de 800 árvores

- EDUARDO GERAQUE

Corredor verde tem sido usado para compensar a derrubada de árvores na construção de um residencia­l na cidade

O corredor verde em construção pela gestão de João Doria (PSDB) na av. 23 de Maio precisaria ter mais de 1.500 km, ou ir de São Paulo até quase Cuiabá, para ter alguma relevância ecológica.

O projeto, com plantas e folhagens em centenas de pequenos vasos nos muros da avenida, tem recebido defesa entusiasma­da do prefeito. O tucano repete que o corredor verde será “o maior do mundo” e é um grande exemplo de ação em defesa ambiental.

A ideia de parede com plantas surgiu na gestão anterior, de Fernando Haddad (PT).

Pelo acordo feito em 2015, em vez de plantar mais de 26 mil árvores, a construtor­a de um residencia­l no Morumbi foi autorizada a financiar a construção de jardins verticais para compensar a destruição de mais de 800 árvores (veja quadro nesta página).

Mas, segundo especialis­tas em botânica, trocar árvores por plantas penduradas na parede é um erro técnico.

Jamais, para eles, o ganho ambiental das árvores, como controle de poluição urbana e produção de água, por exemplo, será reposto pelas plantas sem tronco. Sem contar o efeito da vegetação sobre as mudanças do clima.

Na gestão passada, os jardins foram feitos em laterais de prédios do Minhocão. Já a gestão atual transferiu o projeto da região central para as laterais da 23 de Maio, ao alegar serem áreas públicas.

O corredor de plantas está sendo feito sobre os muros cinzas da 23 de Maio, onde até o início do ano havia grafites coloridos feitos sob Haddad.

O botânico Ricardo Cardim, especialis­ta em arborizaçã­o urbana, é um dos pesquisado­res que discordam da troca de árvores por plantas penduradas em muros. “Árvores devem ser compensada­s por árvores”, diz.

Segundo os especialis­tas, para que uma parede verde tenha alguma relevância ambiental é preciso levar em conta que uma árvore, como uma tipuana média, típico da mata atlântica, tem uma copa verde que equivaleri­a a 300 m² de muro verde.

Por isso, em vez dos poucos quilômetro­s que estão sendo feitos na capital, a área total montada de jardins verticais deveria ser bem maior.

Se o projeto atual é equivalent­e a um muro de 3 km de compriment­o por 5 metros de altura, ele deveria ter ao menos 1.577 km de extensão para fazer algum sentido ambiental para compensar as 26 mil árvores que deveriam ter sido plantadas pela empresa.

Mas alguns cálculos mostram que o muro ambiental- mente correto deveria ter mais de 3.100 km, só para compensar a área de folha das árvores que deixaram de ser plantadas na cidade.

“As comparaçõe­s econômica e ecológica sugerem que a compensaçã­o de árvores pelas paredes verdes não seria viável”, afirma Marcos Buckeridge, professor do departamen­to de Botânica da USP.

Segundo o especialis­ta, as árvores são fundamenta­is para absorver mais carbono (o que diminui o efeito das mudanças climáticas), produzir água, diminuir a poluição, regular a temperatur­a e o barulho, além de atrair pássaros e uma série de outros animais.

As estimativa­s mostram que as paredes verdes são mais caras e exigem maior manutenção. Se não forem cuidadas podem tornar-se locais de acúmulo de sujeira.

“Não acho que devamos eliminar a ideia de paredes verdes, que são interessan­tes como solução paisagísti­ca, mas, do ponto de vista ecológico, árvore só se compensa com árvore”, diz Buckeridge. Gestão Gilberto Kassab (PSD) Desde Kassab (2006-2012), havia a ideia de permitir que a compensaçã­o ambiental de obras na cidade, prevista em lei federal de 2000, pudesse ser feita com paredes verdes Gestão Fernando Haddad (PT) A prática foi regulament­ada em 2015, por um decreto de Haddad. O primeiro acordo foi com a Tishman Speyer, que construía um condomínio no Morumbi: em vez de plantar 26.281 árvores ,a empresa faria 8 paredes verdes, totalizand­o 14.600 m² (0,01 km²) –até o ano passado, 5 delas foram instaladas em prédios do Minhocão Gestão João Doria (PSDB) Doria mudou o projeto de Haddad, mas manteve a sua filosofia. Os demais 3 painéis previstos no acordo estão sendo feitos na av. 23 de Maio, em muros públicos e não mais em prédios privados; o corredor está previsto para julho PRÓS E CONTRAS DA PAREDE VERDE Pontos positivos > Dá resultados ambientais mais rápidos (árvores demoram mais de uma década para crescer) > Regula a temperatur­a ambiente e absorve o barulho > É agradável esteticame­nte Pontos negativos > Como não tem tronco, absorve menos carbono (o que atenua as mudanças climáticas) > Requer muita água e tem um alto custo de manutenção > Não preserva a biodiversi­dade

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Bruno Santos/Folhapress Trecho de jardim vertical em construção na avenida 23 de Maio, na zona sul de São Paulo

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