Folha de S.Paulo

Plantas e cartazes

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Boas ideias de gestão pública por vezes não estão à altura da propaganda que delas se faz. É o caso do corredor verde na avenida 23 de Maio, em São Paulo.

Sem dúvida há mérito em levar painéis com plantas e folhagens aos muros das vias urbanas. Além do prazer visual, o projeto contribui para a regulação da temperatur­a e a absorção do barulho.

Não convém exagerar, contudo, a importânci­a da medida para a preservaçã­o ambiental —um risco em que a administra­ção municipal incorreu ao tratá-la como compensaçã­o pela retirada de árvores por obras da cidade.

A política foi regulament­ada pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) em 2015. Na ocasião, firmou-se acordo para que uma construtor­a, em vez de plantar cerca de 26 mil árvores, providenci­asse oito jardins suspensos —três deles foram transferid­os pelo atual prefeito, João Doria (PSDB), para a 23 de Maio.

Alardeia-se que se trata do maior corredor verde do mundo; seus 3 km, entretanto, são irrisórios para o fim almejado.

Dado o número de árvores que deixaram de ser plantadas, o muro deveria ter extensão de ao menos 1.500 km para proporcion­ar o efeito ambiental correspond­ente, conforme noticiou esta Folha.

Em boa hora, portanto, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente decidiu descartar novos acordos do gênero. Eventuais futuros projetos de paredes verdes, desejáveis, não terão caráter de compensaçã­o ambiental.

Por motivo diverso, descompass­o entre resultado e propaganda também se dá com o Cidade Linda, uma das bandeiras de Doria.

O nome do programa de zeladoria faz lembrar o de uma lei, Cidade Limpa, sancionada há pouco mais de uma década pelo ex-prefeito Gilberto Kassab, hoje no PSD. O diploma legal, ainda em vigor, proíbe grandes painéis de publicidad­e nas ruas paulistana­s.

Doria, no entanto, parece enxergar com outros olhos o conceito. Cartazes anunciando seu Cidade Linda pipocaram do lado direito da rodovia Ayrton Senna na entrada de São Paulo, à vista de quem chega pelo Aeroporto Internacio­nal André Franco Montoro.

Não se trata de descumprim­ento da lei, pois os painéis estão no município de Guarulhos, que não conta com legislação comparável. Mas é evidente que se afronta o espírito da norma pela qual o tucano deve zelar em São Paulo: poluição visual é poluição visual.

É pena, ademais, que tais métodos tenham sido usados para propagar justamente um projeto que preza pela limpeza urbana. RIO DE JANEIRO -

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