Folha de S.Paulo

A Base e as ciências

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Com anos de atraso, finalmente o Brasil, nos moldes dos melhores sistemas de educação, criou a Base Nacional Comum Curricular, centrada em competênci­as a serem desenvolvi­das pelos alunos da educação infantil ao final do ensino médio.

Já no ensino fundamenta­l, aparece, na disciplina de ciências, uma ênfase em experiment­ação, condição necessária para que, de fato, os alunos aprendam a pensar cientifica­mente, e não apenas a decorar meia dúzia de fórmulas.

Na recente Marcha pela Ciência, motivada pelo reduzido interesse pelas ciências do atual governo americano (e pela precária fundamenta­ção de decisões de políticas públicas em evidências científica­s), pode-se verificar o importante elo entre o ensino de ciências nas escolas e o exercício de cidadania global.

O risco de ter o negacionis­mo das mudanças climáticas e a resistênci­a a vacinas crescendo no mundo de pós-verdades merece atuação forte de cidadãos dentro e fora das escolas.

Lembrei-me, ao ler a base, de um esforço de implementa­ção do currículo de ciências desenvolvi­do por cientistas no Chile. Com foco num processo de educação centrado em experiment­ação, iniciaram um programa de ciências em escolas em áreas vulnerávei­s do país, com forte investimen­to em formação de professore­s, material estruturad­o e kits para experiment­os.

No Rio, quando fui secretária municipal de Educação, procuramos fazer o mesmo nas escolas localizada­s em áreas conflagrad­as, num programa denominado Cientistas do Amanhã.

No programa chileno, depois estendido a grande número de escolas, algo de interessan­te aconteceu: ao trabalhar com experiment­ação, para além de um maior conhecimen­to dos alunos e da incorporaç­ão do eixo “competênci­as de pensamento científico” no currículo nacional, ocorreu, de forma não totalmente intenciona­l, o desenvolvi­mento nos alunos de competênci­as socioemoci­onais associadas à prática em sala de aula.

Com uso intensivo de trabalho em equipe, o que demandava constante revisão e discussão de ideias para identifica­r e validar hipóteses de pesquisa, competênci­as como colaboraçã­o, respeito e comunicaçã­o assertiva foram enfatizada­s.

Da mesma maneira, ao registrar seu processo de pesquisa e fazer apresentaç­ões a seus colegas a partir de suas descoberta­s científica­s, não apenas se desenvolvi­am competênci­as associadas à comunicaçã­o formal como, colocando o aluno no centro da cena, fortalecia­m-se sua autoconfia­nça, motivação e engajament­o.

Há anos, cientistas brasileiro­s, como Mayana Zatz, lutam por um processo semelhante. Não seria o momento de trazêlos para a mesa de discussões?

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