Folha de S.Paulo

A usurpação da vida indígena

A proposta indígena é por uma mudança radical de paradigma, fundamenta­da na concepção de terra indissociá­vel da própria vida

- ARTIONKA CAPIBERIBE, OIARA BONILLA E PEDRO PULZATTO PERUZZO

Desenvolve-se, mais uma vez, a história de massacres e usurpações que marca as relações do Estado brasileiro com os povos indígenas. No centro da disputa atual está a figura jurídica da Terra Indígena (T.I.), envolvendo concepções bem diferentes sobre o tema.

Para as populações indígenas terra não é commodity, como explica o xamã Davi Kopenawa: “A terra é mais sólida do que nossa vida! Todas as mercadoria­s dos brancos jamais serão suficiente­s em troca de árvores, frutos, animais e peixes”.

Como ele e outras lideranças alertam, aquilo que atinge a terra dos indígenas também afeta as condições de vida de animais, plantas e, inclusive, dos brancos.

Tais concepções foram, de algum modo, introduzid­as no capítulo “Dos Índios” da Constituiç­ão de 1988 (art. 231-232), que vem garantindo a demarcação das terras, ainda que de forma cada vez mais morosa.

Na medida em que foi percebida a potência do artigo 231, aquele que garante a T.I., o interesse econômico voltou suas baterias contra ele. A PEC 215 é um grande expoente disso —a estratégia de trazer para o Congresso a prerrogati­va sobre as demarcaçõe­s visa travar esses processos.

A CPI Funai/Incra, voltada também às terras quilombola­s, é a estratégia mais evidente daquilo que move esses interesses no Legislativ­o. Seu relatório final propõe o indiciamen­to em massa de lideranças indígenas, de antropólog­os, indigenist­as e procurador­es da República.

A lista de pessoas indiciadas é tão esdrúxula quanto os crimes a elas imputados. Por outro lado, boa parte dos arrolados nem sequer foi convocada pela CPI, tendo seu direito à defesa cerceado. Essa farsa é um jogo político bem calculado.

Ao criminaliz­ar atores sociais que colocam empecilhos à apropriaçã­o espúria das terras indígenas e quilombola­s e ao desqualifi­car o trabalho acadêmico que sustenta argumentos em favor dessas terras, pretende-se acuar a defesa desses direitos e sustentar aberrações jurídicas, fruto de novas interpreta­ções do texto constituci­onal feitas pelo STF.

Foi assim que a ideia de “habitação em caráter permanente”, do art. 231, foi atrelada a um “marco temporal”, a data da promulgaçã­o da Carta Magna (05/10/1988).

Ainda que o STF tenha decidido que o conceito não se aplicaria em casos de “renitente esbulho” (desocupaçõ­es forçadas), em julgamento posterior estabelece­u que, para a configuraç­ão do “esbulho”, o conflito possessóri­o deve persistir até a data do “marco”. Assim, desconside­rou a contínua história de genocídio indígena.

Esta é uma disputa de ideias com efeitos concretos, pois legitima ações como o brutal ataque aos Gamela no Maranhão, ocorrido há poucos dias, e mostra que a falta de representa­ção política dos indígenas lhes é fatal.

Do outro lado, o cenário de hiperrepre­sentação teve seu coroamento na nomeação do deputado ruralista Osmar Serraglio (PMDB), relator da PEC 215, ao Ministério da Justiça. Após a agressão sofrida pelos Gamela, o ministro limitou-se a pôr em dúvida a identidade indígena deles, reproduzin­do a narrativa da negação da diferença e fundamenta­ndo a violência perpetrada. É grave, uma vez que este é o discurso oficial do Estado.

Como diz o líder Ailton Krenak, a falta de representa­ção indígena é a prova de que ainda estamos no modelo colonialis­ta, em que as decisões sobre a vida dos índios são tomadas por quem é, no mínimo, indiferent­e a eles.

A proposta indígena é por uma mudança radical de paradigma, fundamenta­da na concepção de terra indissociá­vel da própria vida, inalienáve­l e incompensá­vel, seja por dinheiro ou políticas assistenci­alistas. É vital, portanto, a presença indígena na representa­ção política do país. ARTIONKA CAPIBERIBE, OIARA BONILLA PEDRO PULZATTO PERUZZO,

Com a proposta da reforma da Previdênci­a transitand­o na Câmara, pergunto-me se mais uma vez os deputados agirão contra a vontade de seus eleitores, que a eles confiaram a responsabi­lidade de representá-los, ou se resistirão à pressão exercida pelos governista­s. Também reflito sobre todo o dinheiro já desviado durante a história do país e deixo a seguinte questão: a Previdênci­a realmente tem deficit ou mais uma vez a população irá trabalhar para pagar o que não deve? Infelizmen­te, a resposta todos nós já sabemos.

GUSTAVO HENRIQUE WOMMER

Operação Lava Jato É pavoroso constatar que o procurador Deltan Dallagnol tem consistent­es fundamento­s para asseverar que “José Dirceu recebeu tratamento diferencia­do” (“Poder”, 3/5). O mínimo que se espera do Poder Judiciário é que aplique a lei igualmente para todos.

MIKE LOPES MOREIRA

Os ministros Kassab e Jungmam afirmam que estamos iniciando uma nova era nas comunicaçõ­es via satélite e que quem viver verá. Já vivi muito e há anos espero ver o lançamento de satélites com propulsor nosso na base de lançamento­s de foguetes em Alcântara (MA), que está geografica­mente mais bem localizada para lançamento­s espaciais do que Kourou, na Guiana Francesa. Continuamo­s poupando dinheiro para gastar mais alhures (“Satélite brasileiro”, Tendências/Debates, 4/5).

PAULO M. GOMES LUSTOZA

Colunistas

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