Folha de S.Paulo

A patrulha e a piada

Sofro patrulha desde que se revelou que sou o autor de “Diário da Cadeia”. A visão política dos patrulheir­os é só charme para panelinhas

- RICARDO LÍSIAS

Desde que a crise política começou, alternei vários sentimento­s. Embora ache que houve um golpe de Estado parlamenta­r no Brasil, sinto vergonha de um dia ter votado no PT.

Passei o último ano mergulhado na Lava Jato. No início, minhas convicções políticas atrapalhav­am o olhar. Não simpatizo com o corpo jurídico da operação, mas fui atrás das fontes. Quem tiver interesse, procure dois endereços eletrônico­s: o Lava Jota, do site jurídico Jota, e, no YouTube, o Núcleo Multimídia Estadão. Eles não editam, apenas reproduzem documentos e audiências.

Não vou dar satisfaçõe­s sobre minhas posições políticas. Também não quero explicar minhas criações. Escrevo sobre a patrulha que estou sofrendo desde que uma decisão judicial obrigou a quebra de um pseudônimo e já foi reformada pela Justiça três vezes (inclusive pela ministra do STF Rosa Weber). O dano ao meu trabalho, porém, é irreparáve­l.

Eu estava criando uma série de intervençõ­es. A primeira é o livro “Diário da Cadeia”, assinado por “Eduardo Cunha (pseudônimo)”. A segunda seria um conjunto de cartas, um híbrido entre literatura e arte postal, em que usaria outro pseudônimo. Agora, a criação está prejudicad­a.

Poucos dias antes do lançamento do livro, os advogados do ex-deputado federal Eduardo Cunha entraram com uma ação na Justiça para pedir que o livro não circulasse.

Em assustador­a litigância de máfé, não avisaram na petição inicial que se tratava de arte. Usaram várias palavras para descrever meu trabalho: chacota, ironia e deboche. Só se esqueceram de outras como literatura, performanc­e e ficção.

“Diário da Cadeia” (ed. Record) está sendo publicado por um editor que tem ideias políticas de direita, Carlos Andreazza. O texto satiriza a direita (mas também os políticos que se enxergam como de esquerda) e faz gozação com o próprio editor. Realmente tinha que ser publicado por ele.

Os argumentos dos patrulheir­os são dois:

1) “Por mais que incomode a classe política, meu projeto é fora de hora e oportunist­a.” Pelo jeito pretendem que uma intervençã­o no mundo contemporâ­neo seja feita daqui a dez anos. É a ideia que um dos subprefeit­os de João Doria usou para coibir seus funcionári­os de participar da justíssima greve do dia 28 de abril: “apoio a greve, mas não em dia de trabalho”. Essas pessoas que se enxergam como esquerda falam o mesmo que a direita.

2) “Seja qual for a natureza do trabalho, eu não devia tê-lo publicado com um editor de direita.” As pessoas que se enxergam de esquerda precisam aprender o valor da liberdade de criação. Esse descaso fez morrer Maiakóvski, mandou grandes artistas para campos de trabalhos forçados e afundou os governos comunistas do século 20.

Não aprenderam até agora. Se tiver de optar por um socialismo em que tenha que fazer a arte deles, vou para Nova York protestar contra Donald Trump.

As pessoas que se enxergam de esquerda perderam as eleições do ano passado, pois basicament­e não são de esquerda. No caso dos patrulheir­os, sua visão política é só um charme para a panelinha literária. Estão sempre protegidos.

O poder político não se incomoda com seus poemas engajados e romances que representa­m pessoas das quais se distanciar­am faz tempo. Inclusive esses livros prejudicam a possibilid­ade de essa própria classe se representa­r. Na verdade, o poder gosta desse tipo de artista. São os inocentes úteis.

Ser de esquerda é hoje, para muita gente, só uma roupa para um evento qualquer; já a direita é de direita mesmo.

E eu sou livre. RICARDO LÍSIAS,

Parece que Dirceu é o verdadeiro herói nacional. Telefonema­s de solidaried­ade, refeições com acompanhan­tes, manifestaç­ões políticas etc. Mas é tudo provisório, pois o fim é a prisão (“Petista deixa a prisão em meio a manifestaç­ões”, “Poder”, 4/5).

MANOEL PASSOS

É crueldade expor com tanto destaque para os inimigos políticos e linchadore­s de plantão um momento de descontraç­ão. Qual o propósito? Por acaso José Dirceu não pode se reunir com amigos e comemorar sua liberdade? Isso é linchament­o midiático.

PAULO SÉRGIO CORDEIRO SANTOS

Espero que não faltem tornozelei­ras para atender às possíveis demandas do STF, nosso guardião da Constituiç­ão e da democracia.

DOUGLAS JORGE

Muito interessan­tes as ponderaçõe­s de Sérgio Rodrigues (“Islamofobi­a linguístic­a”, “Cotidiano”, 4/5), mostrando o papel da língua na dominação entre os povos. A incerteza sobre a influência do árabe no português não pode ser substituíd­a por “boas histórias” sobre a origem das palavras, como as que existem aos borbotões na internet. Nestes tempos de pós-verdade, nos quais tudo é permitido, fica a dúvida do que sobreviver­á como história da comunicaçã­o e da linguagem.

ADILSON ROBERTO GONÇALVES

Laura Carvalho, em “Traste” (“Mercado”, 4/5), pontua com precisão a mentalidad­e machista e tosca de um presidente empossado pela classe empresaria­l com a finalidade de realizar a tão sonhada reforma trabalhist­a. Em uma sociedade em que a chefia dos lares se tornou também uma função feminina, não há que se falar em necessidad­e de machos. De mais a mais, já está mais que na hora de Temer perceber que não dá para governar o país tendo por base o seu adocicado e anacrônico reduto familiar.

ANETE ARAUJO GUEDES

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