Folha de S.Paulo

Ruído das reformas

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

A RETA final das reformas trabalhist­a e previdenci­ária no Congresso fez elevar as críticas dos adversário­s da atualizaçã­o das relações econômicas e sociais. Bizarro seria se não houvesse alguma oposição. Tais reformas têm sido corriqueir­as no mundo e em nenhum país elas acontecera­m sem discussão e convencime­nto.

As mudanças das relações do trabalho e do aparato previdenci­ário se tornaram necessária­s onde quer que tenham ocorrido ou estejam em curso devido a fenômenos irrefreáve­is no mundo, com destaque para o viés de envelhecim­ento da população e as novas tecnologia­s que produzem resultados conflitant­es —aumentam a qualidade de vida e reduzem a oferta de certos tipos de emprego.

Como não somos uma ilha apartada do mundo, tais tendências também se manifestam aqui, em especial o aumento da população com mais de 65 anos e a redução relativa da faixa até 16 anos. Em algum ponto da próxima década, segundo o IBGE, haverá mais idosos (conceito que também vem sendo revisto no mundo) aposentado­s que jovens entrando no mercado de trabalho, o fundamento básico do modelo de repartição de nosso sistema previdenci­ário. Essa conta não fecha sem ajustes.

Tal sistema já é deficitári­o em todas as frentes —da previdênci­a privada (INSS), cujos saldos negativos são cobertos pelo Tesouro, à previdênci­a pública, agravadas nesse caso, particular­mente na área federal, pelos funcionári­os que ainda se aposentam com o último vencimento na ativa e as aposentado­rias especiais.

A despesa previdenci­ária já consome mais de um terço do Orçamento da União, que por sua vez deixou de gerar superavit antes da conta de juros da dívida pública desde 2014. Como atender outras demandas cruciais —a saúde, por exemplo, cuja atenção crescerá tanto quanto a população idosa, para citarmos uma das muitas prioridade­s?

Pode-se questionar uma ou outra medida nas propostas enviadas pelo governo ao Congresso, não o mérito do que visa reforçar as bases do cresciment­o econômico (abrindo postos de trabalho) e desobstrui­r a formalizaç­ão do emprego. Ou, simplesmen­te, reter os existentes.

Custos trabalhist­as e tributário­s no Brasil explicam o fechamento de mais de 90 fábricas transferid­as para o Paraguai, onde encargos salariais são menores e a importação de bens de capital é isenta.

Já a reforma da Previdênci­a é condição antecedent­e para tudo mais, ao afastar o risco da insolvênci­a, mesmo sem eliminar o deficit do INSS e dos regimes próprios. Para tanto, ela teria de ser bem mais profunda. A oposição hoje liderada pelo PT conhece tais riscos.

Não fosse assim e o presidente Lula não teria equiparado as regras de aposentado­ria na área federal às do INSS aos novos ingressant­es no setor público, o que levou alguns parlamenta­res a romper com o PT e criar o PSOL. Isso foi em 2003/04. Em 2005, o então ministro Antonio Palocci tentou uma reforma tão ampla quanto a atual que não avançou. A presidente Dilma Rousseff também defendia rever a Previdênci­a e apoiava a terceiriza­ção.

Em questões aritmética­s e contábeis, a ideologia não vai à mesa. O que há é o velho embate entre governo e oposição. E, como caronas, sindicalis­tas (contrariad­os com a perda do imposto sindical, que a reforma torna voluntário) e as elites das corporaçõe­s (avexadas em se aposentar tal e qual a maioria dos brasileiro­s). Isso é normal.

Alguns setores empresaria­is também alegam problemas sociais quando perdem subsídios. Anormal seria o Congresso se acuar. Ai sim poderá haver o curto-circuito social que as reformas tentam evitar.

Na contabilid­ade das reformas, a ideologia não vai à mesa, apesar dos lobbies contrariad­os

PEDRO LUIZ PASSOS,

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