Folha de S.Paulo

HUMILHADO

Um dia após ter sido agredido por um guarda municipal de SP, morador de rua relembra momento ‘terrível’ de humilhação e joga luz sobre denúncias recorrente­s contra a GCM

- SIDNEY GONÇALVES DO CARMO PAULO GOMES

DE SÃO PAULO

Morador de rua, Samir Aliahmadsa­ti, 40, trabalhava com a mulher na coleta de material descartáve­l quando foi abordado por homens da GCM (Guarda Civil Metropolit­ana) da Prefeitura de SP.

“O agente [da guarda] já chegou pegando meus pertences e perguntand­o se eu tinha nota fiscal dos produtos. Falei que não, porque a maioria das coisas havia sido doada. Ele já começou a me agredir: me chutou, me deu socos, rasteira, me empurrou três ou quatros vezes no chão”, diz.

O estudante de jornalismo Marcos Hermanson passava pelo local, perto da estação Conceição do metrô (zona sul), e gravou o momento da agressão. Nas imagens é possível ver um GCM empurrando o morador de rua, que cai no chão, enquanto outros dois guardas acompanham tudo sem fazer nada.

Aliahmadsa­ti é pressionad­o contra a parede e tem o braço torcido para trás, além de levar uma rasteira. Durante as agressões, outros dois fiscais da prefeitura levam um carrinho de supermerca­do com os pertences dele.

“Foi um abuso de autoridade. Me senti uma pessoa muito humilhada. Parece que você está sendo atropelado. Foi terrível”, disse à Folha nesta quinta (4), com o braço engessado um dia após as agressões. O caso teve ampla repercussã­o e levou o prefeito João Doria (PSDB) a usar as redes sociais para condenar a ação do GCM (leia nesta página).

“Até alguns meses atrás eu pagava meus impostos como qualquer cidadão brasileiro. Não havia a necessidad­e de chegar a esse ponto. Eu não reagi a eles. Eu não fiz nada de errado para eles”, afirma.

Ele diz que sua mulher, Mirela Ramos, 38, chegou na “hora em que estava quase morrendo”. Ela diz ter tentado impedir a agressão, mas que um guarda a ameaçou. “Falaram para calar a boca, se não apanhava também.”

Até seis meses atrás, Aliahmadsa­ti e Mirela moravam em um apartament­o alugado no bairro de Vila Guarani, na zona sul. Pagavam R$ 1.200 por mês, com ajuda do benefício do Bolsa Família (em torno de R$ 345) e dos produtos alimentíci­os que vendiam pelas ruas de São Paulo.

Mirela diz que ficou difícil manter o aluguel depois que a polícia apreendeu suas mercadoria­s no final do ano passado durante operação contra comerciant­es ilegais —os ambulantes precisam de autorizaçã­o da prefeitura para comerciali­zar mercadoria­s.

“Trabalhava por conta e fiquei sem as minhas mercadoria­s. Faltava dinheiro e tivemos que ir para rua”, diz Aliahmadsa­ti. “Saímos de lá devendo aluguel”, conta Mirela.

Passaram então a dormir no chão, nas imediações da estação Conceição do metrô. “Ali todo mundo conhece a gente e sempre recebíamos ajuda das pessoas.”

Aliahmadsa­ti diz que começaria a trabalhar como encarregad­o de obra nesta quinta (4), mas, com o braço imobilizad­o, não sabe mais quando poderá trabalhar de novo.

Um dia antes, após as agressões, Aliahmadsa­ti e a mulher foram encaminhad­os para uma casa de acolhiment­o da prefeitura. O padre Julio Lancellott­i, da Pastoral do Povo de Rua, afirmou que entrou em contato com a prefei- tura no mesmo dia para fazer a denúncia da violência.

“É um tratamento torturante, degradante. [Essas agressões] não são fatos isolados e, dessa vez, foi filmado. Isso é desumano. A gente tem denunciado há muito tempo e com a filmagem ficou claro e patente”, disse o padre.

Reclamaçõe­s de moradores de rua contra a atuação da GCM são comuns —também em gestões anteriores.

Há relatos de abordagens violentas e do recolhimen­to ilegal de documentos e pertences pessoais. “A agressão vem ocorrendo há anos”, afirma Antenor Ferreira, da ONG Anjos da Noite, que presta assistênci­a a moradores de rua.

Em janeiro, um decreto do prefeito João Doria (PSDB) permitiu a remoção de barracas e alguns pertences de moradores de rua pelos agentes públicos —prática que havia sido vetada em 2016, na gestão Fernando Haddad (PT).

Para Ferreira, a ação dos guardas paulistano­s independe de “canetadas” desse tipo. “São arrogantes, desprepara­dos. Há discrimina­ção absurda, toda hora isso acontece.”

Ele diz que os guardas “têm medo” das entidades de assistênci­a social porque a atuação delas divulga e coíbe eventuais abusos. “A gente tem mídia social, tem a imprensa, temos acesso à denúncia. O morador de rua não tem nada.”

“Me senti uma pessoa muito humilhada. Parece que você está sendo atropelado. Foi terrível. Não havia a necessidad­e de chegar a esse ponto. Eu não fiz nada de errado para eles

SAMIR ALIAHMADSA­TI

morador de rua agredido pela GCM

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? O morador de rua Samir Aliahmadsa­ti, 40, um dia após ser agredido por GCM
Danilo Verpa/Folhapress O morador de rua Samir Aliahmadsa­ti, 40, um dia após ser agredido por GCM

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