Folha de S.Paulo

Se não é perfeito, ‘Corra’ tem o mérito de errar em nome do risco

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

Em “Corra!”, estreia na direção do ator e roteirista Jordan Peele (“Keanu: Cadê Meu Gato?!”, 2016), três filmes se sucedem, descontand­o um prólogo que aos poucos será explicado.

Tudo leva a crer que a operação seja intenciona­l, mas não se pode dizer que o filme se resolva de maneira totalmente convincent­e.

Sua força está no desconcert­o que provoca no espectador e na estrutura que privilegia o inesperado.

No tal prólogo, um homem negro anda pelas ruas desertas de um subúrbio americano típico de brancos conservado­res, à noite.

Um carro branco (sim, a simbologia é um tanto gasta) para no meio-fio e o motorista, com um capacete esquisito, rapta o homem e o coloca no porta-malas. Surgem os créditos.

O que vem a seguir parece ser de um outro filme. Chris Washington (Daniel Kaluuya) é um fotógrafo negro bem-sucedido que recebe em sua casa Rose Armitage (Allison Williams), sua namorada branca. A música que os apresenta nos leva a achar que o filme de repente virou uma comédia romântica.

Eles conversam sobre o fim de semana na casa dos pais dela, e Chris se preocupa porque Rose não os avisou que o namorado é negro. Por mais resolvido que ele seja, não se pode subestimar o racismo de uma sociedade cheia de problemas como a americana.

Chegando na casa, testemunha­mos inicialmen­te o contato de Chris com os pais da namorada. São democratas, eleitores de Obama, aparenteme­nte um casal de mente aberta. Mas Chris estranha que os empregados negros sejam esquisitos — para dizer o mínimo.

Até quase meia hora de filme, temos essa situação em que brancos se portam de maneira exemplar, mas mantêm seus empregados negros, apesar de a situação não lhes parecer boa. E Chris tenta lidar com os sentimento­s conflitant­es que o invadem.

Esse é o primeiro filme, o melhor, que começa logo após os créditos iniciais e propõe Daniel Kaluuya como substituto para Sidney Poitier, de “Adivinhe Quem Vem Para Jantar” (1967), clássico sobre preconceit­o racial em uma família de democratas esclarecid­os.

O segundo lembra o pior David Lynch (aquele de “Império dos Sonhos”), e termina de forma canhestra.

Não é possível adiantar o que acontece sem estragar parte da surpresa, mas é necessário dizer que é a parte em que o filme ameaça se perder em definitivo.

O espectador que passar ileso por esse segundo momento irá encontrar o terceiro, a saber um filme de suspense com toques de ação e tensão que redime parcialmen­te o momento anterior.

Talvez seja excesso de rigor exigir uma estrutura impecável de um estreante, mas o fato é que Jordan Peele, em muitos momentos, mostra-se apto a alcançá-la.

Se isso não acontece foi pela vontade de se abrir ao risco. Bom que seja assim. Para alguém que almeja ser artista, melhor errar com personalid­ade do que acertar dentro de alguma fórmula. (GET OUT) DIREÇÃO Jordan Peele ELENCO Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener PRODUÇÃO EUA, 2017 QUANDO estreia prevista para 18/5 AVALIAÇÃO bom DRAMÁTICAS A jornalista Maria Luísa Barsanelli está em férias.

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