CRÍTICA ‘Norman’ exagera na lição de moral
Apesar do roteiro engenhoso do também diretor Joseph Cedar, falta ao filme toque de fantasia
FOLHA
Poucos personagens contêm tantas possibilidades quanto aqueles que acreditam ser o que não são. Devemos aos loucos, aos mitômanos e aos fanfarrões a salutar incerteza de que existe o que chamamos de identidade.
O protagonista de “Norman —Confie em Mim” é uma dessas criaturas, um personagem recebido como dádiva por qualquer ator, pois demanda o esforço de ser não só outro, mas vários.
Ele integra a linhagem de sujeitos meio lunáticos, uma série que transformou de Buster Keaton a Woody Allen em nomes eternos não apenas por fazer rir, mas por permitir duvidar da normalidade.
Pena que o filme não acredite apenas nisso e exagere um pouco na lição de moral. É o que entrega o subtítulo original, “A Ascensão Modesta e a Queda Trágica de um Embrulhão Nova-Iorquino”, “traduzido” no Brasil por um mais irônico “Confie em Mim”.
Richard Gere, aos 67 anos, não desperdiça a chance de viver o tipo que mente tanto que acaba acreditando. Seu papel é servir de duplo invertido da extensa série de fingidores profissionais em torno dos quais ele circula.
O roteiro engenhoso do diretor Joseph Cedar coloca Norman num universo regido pela enganação, pela capacidade que muitos têm de trapacear e de ainda contar com a cumplicidade das vítimas.
De um lado, aparece um político. De outro, estão os homens de negócios. Entre os dois, entram os religiosos.
Norman é um exemplar dessas profissões que proliferaram, dessa gente que vende serviços como abrir portas, fechar negócios, aproximar desconhecidos, ser “amigo” de todo mundo.
A mordacidade de Cedar, exuberante em “Nota de Rodapé” (2011), retorna aqui de modo menos eficiente. O roteiro é astucioso, o elenco equilibra a diversidade de faces muito e pouco conhecidas e as observações sobre os maus hábitos de todo mundo não interrompem a fluidez da trama.
Mas falta ao filme um toque fantasista, um encanto de fábula ao modo de Frank Capra, por exemplo. Sem isso, os devaneios de Norman se confundem com o autoengano, DIREÇÃO Joseph Cedar ELENCO Richard Gere, Michael Sheen e Lior Ashkenazi PRODUÇÃO Israel/EUA, 2016; 10 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO regular