Folha de S.Paulo

Estupidez chavista

Maduro convoca uma nova Constituin­te na tentativa de manter-se no poder, o que apenas prolonga a agonia em que mergulhou a Venezuela

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Com a disparatad­a convocação de uma Assembleia Constituin­te “do povo”, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ensaia, pela segunda vez em pouco mais de um mês, um golpe contra o que restou das instituiçõ­es do país.

O autocrata não adiantou maiores detalhes, mas, pelo pouco que foi divulgado, percebe-se que a proposta fracassa nos mais elementare­s dos testes democrátic­os. Basta dizer que o colegiado, dito popular e cidadão, não seria eleito por meio do voto universal.

Sua composição seguiria uma nebulosa mistura de nomes dos conselhos comunitári­os —que, na prática, formam linhas de frente do chavismo— e membros escolhidos em eleições sem partidos, “num sistema territoria­lizado, com caráter municipal e local” —o que quer que isso signifique.

Ao final de março, Maduro já havia investido contra o Legislativ­o, no qual a oposição tem maioria. Na ocasião, o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo governo, usurpou as funções da Assembleia Nacional, recuando depois da repercussã­o negativa.

Só um fervor ideológico extremo pode alimentar alguma dúvida quanto ao fracasso do que se chamou de socialismo do século 21. A Venezuela está hoje mergulhada numa crise de proporções comparávei­s apenas às de países devastados por guerras.

De acordo com uma estimativa oficiosa (o governo já parou de divulgar dados), a economia venezuelan­a encolheu 18,6% em 2016, no terceiro ano consecutiv­o de empobrecim­ento. A inflação teria ficado em incríveis 800%, o que talvez não seja tanto diante da taxa de quatro dígitos esperada neste ano.

Falta tudo no país, de comida a energia elétrica, passando por medicament­os e itens básicos de higiene. Se, até outro dia, a população mais pobre cerrava fileiras com o chavismo, agora protestos eclodem até nas favelas que eram os bastiões do regime.

Em vez de reconhecer a derrota e buscar uma saída negociada para convocar novas eleições, Maduro prefere agarrar-se ao poder, flertar com golpes de Estado e prolongar desnecessa­riamente a agonia social e econômica.

Quanto ao Brasil e à comunidade internacio­nal, não parece haver, por ora, muito o que possam fazer para ajudar os venezuelan­os.

Uma intervençã­o militar está, obviamente, fora de questão; nenhuma sanção econômica será mais eficaz do que as impostas inadvertid­amente ao país pelo próprio governo Maduro.

Será preciso esperar que os venezuelan­os decidam quando e por que meios se livrarão do regime, que caminha para sucumbir a sua trágica estupidez. BRASÍLIA -

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