Folha de S.Paulo

Partilhar e conceder

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Nascida sob inspiração de um nacionalis­mo ultrapassa­do, a política brasileira para a exploração do petróleo do pré-sal, felizmente, torna-se mais pragmática.

Pela primeira vez em 11 anos, o governo decidiu adotar o regime de concessão à iniciativa privada, que desobriga a participaç­ão estatal nos contratos. Tal regra valerá para parte das áreas a serem leiloadas no segundo semestre.

O modelo concebido pela administra­ção petista privilegia­va o regime de partilha, no qual o governo converte-se em proprietár­io direto de parte do óleo extraído. Segundo seus ideólogos, o mecanismo preserva a soberania nacional.

Tal alegação não resiste, já de início, a um exame mais detido; posta em prática de maneira dogmática, contribuiu para a ruína financeira da Petrobras e o atraso da produção brasileira.

Na concessão, o poder público recebe royalties e impostos decorrente­s da exploração privada. Pode definir as normas das concorrênc­ias e as obrigações a serem cumpridas pelas concession­árias. Não há motivo para imaginar perdas apenas porque deixará de ser dono de barris de petróleo.

Assim se dão, aliás, os contratos referentes ao petróleo que não está na camada do pré-sal.

Imposições associadas ao regime de partilha mostraram-se contraprod­ucentes ou pouco eficazes. Entre elas estão a elevada exigência de conteúdo nacional —ou seja, de utilização de serviços e equipament­os produzidos no país— e a exclusivid­ade da Petrobras como operadora dos campos.

A primeira elevou custos e afastou interessad­os no negócio. Prova disso é que, em uma década, leiloou-se apenas um campo associado ao pré-sal —o de Libra, arrematado em 2013, sem competição e ao preço mínimo de R$ 15 bilhões, por um consórcio liderado pela petroleira estatal.

A segunda obrigou a empresa a realizar investimen­tos acima de sua capacidade, o que resultou em escalada do endividame­nto.

Tais normas estão sendo revistas, o que é uma boa notícia. Mais contestada pelo setor empresaria­l, a redução do conteúdo doméstico exigido não representa o abandono dos estímulos à indústria brasileira. Eles devem concentrar-se, porém, nos segmentos em que a produção do país atende a requisitos de eficiência e competitiv­idade.

Superstiçõ­es ideológica­s à parte, não há nada que distinga o petróleo do pré-sal do encontrado em outras áreas. Ao país interessa explorar as reservas, onde estiverem, com risco mínimo e máximo retorno possível para o contribuin­te. RIO DE JANEIRO -

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