Folha de S.Paulo

Vox populi

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SÃO PAULO - O Datafolha apurou que 71% dos brasileiro­s são contra a reforma da Previdênci­a. Para os partidário­s da democracia direta, isso é o que basta para suspender os trâmites legislativ­os.

Mas será que, nas democracia­s, deve-se sempre ouvir a voz da maioria? Quando se trata de direitos fundamenta­is, a resposta é claramente “não”. Se a maioria dos brasileiro­s votasse por escravizar os índios, por exemplo, essa decisão teria de ser anulada pela Justiça. Aqui, atender à maioria constituir­ia violação da ordem democrátic­a, que necessaria­mente preserva direitos de minorias.

Há outros assuntos em que o peso da maioria deve ser relativiza­do? Isso depende do tipo de democracia que abraçamos. No modelo representa­tivo adotado no Brasil, a resposta é “sim”. E existem bons motivos para isso. Imagine, leitor, que vivemos numa democracia direta, na qual caberá à população propor e definir, através de votação na internet, o valor do salário mínimo. Não é preciso um Datafolha para antever problemas.

Um salário mínimo excessivam­ente generoso cria dificuldad­es para o equilíbrio das contas públicas nas três esferas de governo e para o caixa de algumas empresas. O resultado mais provável do gesto de altruísmo seria inflação e desemprego nas camadas mais pobres da população.

Os “founding fathers” que escreveram a Constituiç­ão dos EUA pressentir­am a dificuldad­e e conceberam o Congresso para contrabala­nçar a vontade popular num sistema de freios e contrapeso­s. A ideia central, que o Brasil reproduziu, é que o corpo de representa­ntes constituir­ia uma elite sábia o suficiente para escapar das armadilhas do imediatism­o e buscar o real interesse público.

Nos últimos 200 anos, a democracia representa­tiva evoluiu para concepções menos elitistas que a dos “founding fathers”, mas a ideia de que é preciso de algum modo filtrar os apetites imediatist­as da população permanece, a meu ver, válida. helio@uol.com.br

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