Folha de S.Paulo

Debate sobre definição de índios cresce após ataque

- FABIANO MAISONNAVE

Tribo gamela sofreu emboscada no MA

Chamados de “supostos índios” pelo Ministério da Justiça após ataque que deixou dez feridos no domingo (30), os índios gamelas têm sido questionad­os por falarem português, serem miscigenad­os e usarem roupas.

Essa acusação é comum contra etnias do Nordeste, onde o contato com o homem branco data do século 16.

Antropólog­os e arqueólogo­s, no entanto, afirmam que a definição de quem é índio leva em conta outras caracterís­ticas, como o modo de vida, e que as etnias têm direito à autodeclar­ação respaldada pela legislação brasileira.

“Os grupos indígenas estão em contato desigual e violento há 500 anos. Não é surpresa que eles perderam a língua e aspectos da organizaçã­o social, isso só reforça como esse contato foi criminoso”, diz o arqueólogo Arkley Bandeira, da Universida­de Federal do Maranhão.

Bandeira afirma que os gamelas mantêm várias caracterís­ticas tradiciona­is, como a agricultur­a baseada na mandioca e na macaxeira, técnicas de pesca e o uso comunal da terra.

“As caracterís­tica físicas não são tão levadas em consideraç­ão, como no século 19 e início do século 20. Pra ser indígena, não é preciso ter cabelo liso, a pele puxada mais pro pardo”, afirma Bandeira.

Muitos estudiosos dizem que várias etnias no Nordeste e em outras regiões do Brasil passam, desde os anos 1970, por um processo conhecido como etnogênese, pelo qual vários grupos passam a reclamar, de forma coletiva, a reconstruç­ão da identidade indígena.

“Eles não querem mais ser caboclos, e sim indígenas”, afirma o arqueólogo.

Um levantamen­to do antropólog­o José Maurício Arruti, da Unicamp, lista cerca de 50 grupos novos com demanda por reconhecim­ento como povos indígenas, a maioria no Nordeste, onde a etnogênese é mais forte.

“A ocupação do Nordeste brasileiro assentou-se, historicam­ente, em massacres e no apagamento da presença indígena”, afirma a antropólog­a Daniela Alarcon, doutoranda do Museu Nacional (UFRJ) e há sete anos estudando os tupinambás da serra do Padeiro, na Bahia

“Alvos de racismo e de outras formas de violência, até mesmo para se proteger, muitos indígenas deixaram de expressar sua identidade étnica em face da sociedade envolvente. Mantiveram, porém, ao longo de gerações, modos de vida próprios”.

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