Folha de S.Paulo

Ao expor favorito, jornal ‘Canard Enchaîné’ mudou rumo da eleição

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DO ENVIADO A PARIS

Quando François Fillon venceu as primárias da centro-direita, em novembro passado, se dava por fato que seria eleito presidente da França nas eleições deste mês. Então o pato grasnou. O semanário satírico “Le Canard Enchaîné”, cujo nome significa “o pato acorrentad­o”, publicou uma reportagem ligando o candidato à corrupção. Sua campanha murchou e ele recebeu 20% dos votos, sem chegar ao segundo turno de domingo (7).

A reportagem da publicação, cuja circulação é de 400 mil cópias por semana, foi recebida como evidência da importânci­a da imprensa, com algum sabor extra por ter vindo de um veículo satírico.

O evento foi visto também como uma vitória do jornalismo tradiciona­l, por vezes publicado em preto e branco com uma tinta que suja as mãos dos leitores.

O “Canard Enchaîné”, fundado durante a Primeira Guerra (1914-1918), é publicado às quartas. Esse semanário, hoje produzido por um time de 30 repórteres, já ajudou a influencia­r o resultado de outras eleições.

O semanário publicou em 1979 um texto sobre como o então presidente Valéry Giscard d’Estaing aceitou diamantes do ditador centroafri­cano Jean Bokassa. O caso pode ter contribuíd­o para sua derrota na reeleição.

O “Canard Enchaîné” é vendido a € 1,20 (R$ 4) e não tem anúncios, o que seus editores dizem ser uma vantagem, ao reforçar a sua independên­cia financeira. É um atrativo para os leitores insatisfei­tos com os veículos de maior porte na França.

O pato —gíria para jornal, em francês— teve lucro de € 2,4 milhões em 2015 (cerca de R$ 8,3 milhões).

A persistênc­ia do sucesso há quase um século também depende da curiosa combinação entre notícia e sátira.

Seu editor, Érik Emptaz, disse ao britânico “Guardian” que a meta da equipe é: “Cheque os fatos, cheque de novo, faça a tripla checagem e então adicione o humor”. ACUSAÇÃO exerceu. O casal nega.

Outros candidatos foram suspeitos de corrupção, incluindo Marine Le Pen, da direita ultranacio­nalista. Ela chegou ao segundo turno.

Mas Fillon foi especialme­nte impactado pela reportagem porque havia se apresentad­o nas primárias conservado­ras como um candidato “limpo”. Houve um amplo ressentime­nto do eleitor.

Ele apresentou uma queixa contra o semanário por publicar o que ele afirma serem notícias falsas.

Não é a primeira vez que o pato é acuado.

Anos atrás, a publicação foi processada pelo grupo Bouygues devido à notícia de que a empresa havia tentado influencia­r a construção de uma nova sede para o Ministério da Defesa.

O semanário venceu e pediu € 1 de reparação.

Há também ameaças de outro tipo. O semanário satírico “Charlie Hebdo”, que não é noticioso, foi alvo de um atentado em janeiro de 2015. Atiradores mataram parte de sua equipe de cartunista­s. A sede do “Canard Enchaîné” em Paris é atualmente protegida. (DB)

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Christophe Archambaul­t-.fev.17/AFP Jornalista do ‘Canard Enchaîné’ lê a edição sobre Fillon

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