Folha de S.Paulo

Acionistas ainda lutam para blindar empresa contra influência­s políticas

Aliados de Temer fizeram pressão para emplacar afilhados na Vale após impeachmen­t de Dilma

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Novo acordo de acionistas pulveriza o controle da companhia e reduz força do governo nas decisões

O relógio marcava 17h42 quando o leilão de privatizaç­ão da Companhia Vale do Rio Doce foi reiniciado na Bolsa do Rio. Desde as 12h, um vaivém de ordens judiciais impedia que os grupos interessad­os fizessem lances. A longa espera foi sucedida de batalha curta: às 17h47 de 6 de maio de 1997, a mineradora deixava de ser estatal.

Duas décadas depois, contudo, os acionistas da Vale ainda lutam para blindá-la da ingerência dos políticos e do governo de ocasião.

Essa dificuldad­e voltou à tona no ano passado, conforme aproximava-se o fim do mandato de Murilo Ferreira, executivo que desde 2011 comanda a mineradora e deixará o posto no fim deste mês.

Aliados do presidente Michel Temer, especialme­nte da bancada mineira do PMDB na Câmara e do PSDB, apressaram-se a rodear o Planalto para emplacar um nome, relatam executivos ligados à companhia e auxiliares presidenci­ais. As tentativas haviam começado logo que o peemedebis­ta chegou ao poder, em maio de 2016. Tinham impulso do então ministro do Planejamen­to, Romero Jucá.

Influente aliado de Temer, era um dos que incentivav­am a troca, relatam interlocut­o- res dos sócios e peemedebis­tas. Queria participar da decisão e, por tabela, ajudar seu irmão — a Diagonal, que presta serviço de consultori­a, desejava ter o contrato renovado com a mineradora.

O senador não respondeu aos questionam­entos da Folha até a conclusão da edição.

O movimento inicial foi contido por acionistas, Bradesco à frente, com apoio do Planalto. O discurso era que Ferreira teria de ficar até o fim de seu mandato ou o mercado reagiria muito mal.

Os investidor­es da Vale estão sempre atentos e ressabiado­s com os movimentos políticos. A preocupaçã­o justifica-se pelos braços do Estado no controle da mineradora —com os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) e com o BNDES— e pelo histórico de tentativas do governo de ditar os rumos da Vale.

Durante o governo Lula, a pressão de Brasília teve seu auge. Enfurecido com a decisão da Vale de demitir funcionári­os após a crise de 2008, o petista passou a criticar ferozmente o então presidente, Roger Agnelli. O Bradesco, que o colocara no posto, segurou Agnelli o quanto pôde. Com a chegada de Dilma Rousseff ao poder, teve de ceder.

Na avaliação de um acionista, a Vale, sendo uma concession­ária, já seria alvo natural de pressões políticas. O problema, portanto, não está na chegada de pedidos do governo, mas na forma como a companhia reage a eles.

Uma maneira de responder foi a contrataçã­o de uma empresa de recrutamen­to de executivos para conduzir a definição do novo presidente, um processo que resultou na escolha de Fabio Schvartsma­n, da Klabin, para suceder Murilo Ferreira.

Com o novo acordo de acionistas, anunciado neste ano, os sócios esperam que a mineradora tenha força para

Cargo de presidente-executivo voltou a existir em 1999, após gestão Benjamin Steinbruch

se manter distante dos humores de Brasília de forma mais permanente.

Ele prevê que, em três anos, a Vale deixe de ser uma empresa com controle definido. A mineradora passará a ter apenas uma classe de ação —e não mais uma com e outra sem direito a voto.

Assim, o controle será pulverizad­o em Bolsa. Os fundos de pensão de estatais, BNDES, Bradesco e Mitsui não mais concentrar­ão todas as decisões estratégic­as.

Logo após o anúncio, as ações subiram, sinal de que os investidor­es gostaram do que ouviram. (RENATA AGOSTINI E NICOLA PAMPLONA)

 ?? Reuters ?? Operário e caminhão usado para transporte de minérios na mina de Sossego, em Carajás (PA), área explorada pela Vale
Reuters Operário e caminhão usado para transporte de minérios na mina de Sossego, em Carajás (PA), área explorada pela Vale

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