Folha de S.Paulo

Previdênci­a, diálogo e coerência

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

A SOBREVIVÊN­CIA do governo Michel Temer depende da aprovação das duas principais reformas de sua agenda: a trabalhist­a e a previdenci­ária. Mas a situação de ambas é distinta.

A trabalhist­a, que me disponho a aprovar, cumpre o que se espera de uma reforma: melhora e moderniza o setor, preservand­o direitos essenciais, ao tempo em que flexibiliz­a as relações entre empregador e empregado, saneia o ambiente sindical e agiliza a Justiça Trabalhist­a. Mais ainda: está sendo amplamente discutida, num ritmo adequado para que possa ser assimilada.

Daí a relativa facilidade com que, apesar da oposição ideológica que lhe está sendo movida, agregou apoio dentro e fora do Congresso, dando sinais de que poderá ser aprovada, sobretudo por se tratar de legislação infraconst­itucional, que exige quorum de maioria simples. Já a reforma previdenci­ária é mais problemáti­ca.

E não apenas por se tratar de emenda constituci­onal, que exige quorum qualificad­o de três quintos, em votações em dois turnos em cada uma das Casas legislativ­as. Trata-se de reforma que afeta de maneira mais profunda e dolorosa a vida do cidadão, restringin­do-lhe direitos e agravando-lhe obrigações.

O governo não poderia apresentá-la sem antes fazer a parte que lhe cabe, como gestor de um Estado caro, inchado, ineficaz e carente de transparên­cia —e que protagoniz­ou, ao longo dos governos petistas, um colossal espetáculo de saque e corrupção.

O povo foi às ruas e reivindico­u o fim desses problemas no país. Foi o que se viu nas megamanife­stações que resultaram no impeachmen­t de Dilma Rousseff. Temer assumiu comprometi­do com essas mudanças —e não as fez no momento adequado.

Perdeu, por isso, autoridade moral para encaminhar a reforma da Previdênci­a. Se tivesse feito sua parte, teria reduzido significat­ivamente o sacrifício da população. Optou, no entanto, por lhe mandar a conta da crise no tamanho em que a herdou, auscultand­o apenas sua equipe econômica.

De sua base parlamenta­r, exige lealdade, pressa e votos. Mas não a ouviu, a não ser em questões acessórias. Com que autoridade a pressiona e a ameaça, acenando com perda de cargos e influência?

Nessa reforma, não votarei. Não ao menos sem que o Estado se disponha a cortar na própria carne. Reconheço que é preciso ajustar a Previdênci­a, torná-la contemporâ­nea. Mas a população não pode pagar sozinha a conta. É preciso que o Estado também o faça.

Só assim a sociedade, que arca com uma carga tributária gigantesca, há de ver coerência no que está proposto. O próprio presidente, beneficiár­io de uma aposentado­ria precoce, aos 55 anos —dez a menos da que quer agora impor—, deveria a ela renunciar.

Coerência é também o que lhe pedem seus aliados, sobretudo na Câmara, que assistem à desenvoltu­ra com que no Senado o líder do PMDB, Renan Calheiros, a contesta, sem que o presidente reaja.

A Câmara viveu essa situação durante o governo FHC, aprovando medidas de flexibiliz­ação das leis trabalhist­as, na sequência engavetada­s pelo Senado, pagando sozinha o ônus eleitoral, em que mais de 150 deputados não se reelegeram.

Tal incoerênci­a dá consistênc­ia aos rumores de que o alarde em torno das reformas —sua urgência e inflexibil­idade— seria apenas cortina de fumaça para as denúncias da Lava Jato, que atingem em cheio o governo. Mera disputa de manchetes na mídia.

Se a sociedade, de um lado, não quer arcar com uma conta tão pesada —e isso é justo—, os parlamenta­res, de outro, não se dispõem a oferecer ao governo o alto preço de um inútil suicídio eleitoral. E isso também faz todo sentido.

O presidente, beneficiár­io de uma aposentado­ria precoce, aos 55 anos, deveria a ela renunciar

RONALDO CAIADO,

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