Folha de S.Paulo

Prisões têm 221 mil provisório­s; cada um custa R$ 2.400 por mês

Despesa mensal de manutenção de tornozelei­ra eletrônica é de R$ 300, segundo ministério

- FERNANDA MENA

‘Nem todas as prisões são desnecessá­rias, mas boa parte delas provavelme­nte é’, diz conselheir­o do CNJ

O ex-ministro José Dirceu, que obteve liberdade provisória na última terça-feira (2) mediante uso de tornozelei­ra eletrônica, era apenas um dos mais de 221 mil presos provisório­s do país, que custam aos cofres públicos quase R$ 6,4 bilhões ao ano.

Mantidos atrás das grades antes de sentença definitiva, os presos provisório­s representa­m ao menos um terço (34%) da massa carcerária brasileira, segundo levantamen­to de janeiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

No montante há quem está atrás das grades sem nunca ter sido julgado, mas também uma minoria que, como Dirceu, foi condenada em primeiro grau e aguarda recurso na segunda instância.

No último balanço do Departamen­to Penitenciá­rio do governo federal, de 2014, havia 250 mil presos sem condenação em qualquer instância.

Cada preso custa, em média, R$ 2.400 por mês aos cofres públicos —valor superior ao piso salarial nacional dos professore­s (R$ 2.298,80) e semelhante ao custo anual de um aluno (cerca de R$ 2.700) no sistema público de ensino.

Já o custo mensal médio de manutenção de uma tornozelei­ra eletrônica é de R$ 300, diz o Ministério da Justiça.

De acordo com Rogério Nascimento, conselheir­o do CNJ, a proporção de presos provisório­s no país está próxima da média da América Latina, de 40%, mas sua distribuiç­ão no território nacional é extremamen­te desigual.

Há Estados em que eles re- presentam mais de 80% dos presos, como no Sergipe. Em outros, como no Distrito Federal, cerca de 20% do total.

Dados do CNJ apontam que 29% dos presos provisório­s são acusados de tráfico de drogas, 7% são suspeitos de furto e 4% de receptação.

“São pessoas que não estão respondend­o por crimes que envolvem violência direta. Nem todas essas prisões são desnecessá­rias, mas boa parte delas provavelme­nte é”, avalia Nascimento.

Para ele, são os encarceram­entos desnecessá­rios e a longa duração dos processos que promoveram o atual número de presos provisório­s, o que interfere diretament­e nos dois maiores problemas do sistema carcerário: a superlotaç­ão e a atuação de facções criminosas, das quais os presos provisório­s se tornam uma massa de manobra.

O levantamen­to do conselho mostra que um preso provisório em Pernambuco aguarda, em média, 974 dias pelo primeiro julgamento.

Além da longa espera, pesquisa do Ipea apontou que 37% dos presos provisório­s são absolvidos dos crimes quando são julgados.

“A pessoa só deve cumprir pena quando há sentença. Antes disso, só nos casos previstos no Código de Processo Penal”, afirma a defensora pública Maíra Coraci Diniz, coordenado­ra da Divisão de Apoio ao Preso Provisório.

Ela se refere ao artigo 312 do código, que descreve as circunstân­cias em que a prisão preventiva deve ser aplicada: “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniênc­ia da instrução criminal [evitar a destruição de provas, por exemplo], ou para assegurar a aplicação da lei penal [evitar uma fuga do país, por exemplo]”.

“A garantia da ordem pública é um conceito muito vago, mas muito usado por promotores e juízes para manter prisões preventiva­s, sem ônus argumentat­ivo. Muitas vezes são pessoas que não precisavam estar presas”, avalia Fábio Sá e Silva, pesquisado­r do Ipea e ex-coordenado­r do Depen (departamen­to penitenciá­rio do Ministério da Justiça).

Para ele, a “inconsistê­ncia na aplicação das leis dá sensação de seletivida­de ou conveniênc­ia política das decisões”. “É um problema estrutural da nossa Justiça.” EXCEÇÃO Cristiano Maronna, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirma que a “Constituiç­ão deixa claro que a regra é a liberdade durante o processo, e a prisão é a exceção”. “Mas os juízes subvertem essa lógica e tornam a prisão regra e a liberdade exceção, em especial nos crimes de tráfico e roubo.”

Para Diniz, “há um entendimen­to pacificado pelo Supremo Tribunal Federal de que réus primários que praticaram crime de tráfico, detidos com pouca quantidade de drogas e sem uso de violência, devem ter medidas cautelares aplicadas no lugar da prisão preventiva”. “Mesmo assim os juízes os mandam para a prisão”, afirma a defensora pública.

Medidas cautelares são aquelas em que a prisão preventiva é substituíd­a por prisão domiciliar, uso de tornozelei­ra eletrônica ou outras restrições de liberdade externas ao sistema penitenciá­rio.

O juiz Sergio Moro defende a necessidad­e de prisões preventiva­s da Lava Jato, por crimes como corrupção, por avaliar que são necessária­s até para interrompe­r a atividade criminosa. No caso de Dirceu, a soltura foi determinad­a pelo STF (Supremo Tribunal Federal), por 3 votos a 2. Prisão preventiva Ocorre em qualquer fase da investigaç­ão ou da ação penal, quando houver indícios que liguem o suspeito ao delito. É usada para evitar que o réu continue a cometer crimes, atrapalhe o andamento do processo ou fuja Prazo: não tem limite definido Motivo das prisões provisória­s no país 29% Tráfico de drogas

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Daniel Conzi - 26.jun.2013/ Agência RBS Carceragem de SC com detentos provisório­s, sem passar por julgamento, e que chegou a ser interditad­a no ano de 2012

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