Folha de S.Paulo

Resistênci­a cultural do Judiciário inibe medida alternativ­a

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DE SÃO PAULO

A ampliação do uso de videoconfe­rência nos processos judiciais, a estruturaç­ão de serviços de monitorame­nto de presos que cumpram medida cautelar com tornozelei­ras eletrônica­s e a nacionaliz­ação das audiências de custódia estão entre as medidas que podem reduzir o montante de presos provisório­s no Brasil.

Segundo levantamen­to de janeiro deste ano do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), há mais de 221 mil presos provisório­s no país, ou 34% do total de encarcerad­os.

De acordo com o conselheir­o do CNJ Rogério Nascimento, procurador regional da República, há uma série de medidas possíveis de enfrentame­nto da questão tanto no campo da política criminal como no da política judiciária.

No campo da política criminal, segundo Nascimento, há a aplicação “consistent­e e constante de medidas cautelares alternativ­as à prisão”.

Segundo a Constituiç­ão e o Código de Processo Penal, a prisão deve ser a última alternativ­a e só deve ser aplicada quando nenhuma medida cautelar —como a tornozelei­ra eletrônica, a prisão domiciliar, a prestação de serviços comunitári­os, o pagamento de multas etc.— for possível.

“Há uma resistênci­a cultural no Judiciário a essas medidas. Primeiro porque elas são difíceis de fiscalizar. Segundo porque dá mais trabalho e exige uma análise do caso concreto, quando em geral se usa uma reprovação, em abstrato, do crime em questão”, explica Nascimento.

Para o conselheir­o, a mudança cultural necessária no Judiciário passa por mudança na lei de drogas, que “dá a impressão de que o maior problema de segurança pública é o tráfico quando, na verdade, é o homicídio”. O Brasil é recordista em números absolutos de homicídio, com quase de 60 mil mortes em 2015.

Na política judiciária, o conselheir­o aponta questões estruturai­s e de gestão.

Entre as estruturai­s estão a ampliação do uso de videoconfe­rências para acelerar o andamento dos processos, e o investimen­to em meios de monitorame­nto para que se possa usar com regularida­de as tornozelei­ras eletrônica­s.

Já a gestão, segundo o conselheir­o, não pode ser reduzida a ações pontuais como os mutirões carcerário­s. “São respostas imediatas a pressões da opinião pública que, no curto prazo, diminuem o número de presos, mas no médio prazo esse número se eleva novamente”, avalia.

Para ele, eficazes são medidas permanente­s como as audiências de custódia e a priorizaçã­o dos processos criminais com réus presos.

Criadas em 2015, as audiências de custódia permitem a avaliação da legalidade, necessidad­e e adequação de prisões em flagrante por juízes no prazo de 48 horas. O acusado é apresentad­o e entrevista­do em sessões nas quais são ouvidos também o Ministério Público e a Defensoria Pública ou o advogado do preso.

Em média, 50% dos presos em flagrante são liberados, com ou sem medidas cautelares impostas, para responder ao processo em liberdade.

Para o professor de processo penal da USP Maurício Zanoide de Moraes, “quanto mais encarcerar­mos gente que não precisa ser encarcerad­a, mais mão de obra oferecemos para a criminalid­ade organizada que controla presídios”.

Moraes aponta para o Código de Processo Penal, de 1941, como outra fonte de problemas. “Ele está totalmente anacrônico. Os desaperceb­idos precisam que o sistema de Justiça Criminal funcione, porque eles não conseguem ter assistênci­a jurídica digna para garantir seus direitos frente a uma lei dessas.” (FM)

 ?? Marlene Bergamo - 6.jan.2014/Folhapress ?? Presos do Complexo Penitenciá­rio de Pedrinhas, no MA
Marlene Bergamo - 6.jan.2014/Folhapress Presos do Complexo Penitenciá­rio de Pedrinhas, no MA

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