Folha de S.Paulo

MANUAL DA FAXINEIRA

- MAURÍCIO MEIRELES JULIANA CALDERARI

DE SÃO PAULO

Mistério sempre há de pintar por aí. E na literatura alguns parecem difíceis de explicar. Há sempre um autor que se perdeu pelo caminho, a obra ficou ali perdida —até que surge um resgate, com um rufar de tambores. Mas onde estavam os tambores antes?

É o caso da escritora americana Lucia Berlin (19362004), que chega agora às livrarias com “Manual da Faxineira”, uma compilação de boa parte dos contos que escreveu ao longo de sua conturbada biografia.

Berlin não fez sucesso enquanto era viva —seus admiradore­s, escritores principalm­ente, formavam uma irmandade secreta até 2015, quando o livro saiu nos EUA pela Farrar, Straus & Giroux. O segredo bem guardado foi parar nas listas de mais vendidos.

“Acho que, na época dela, o público não estava interessad­o NO olhar sombrio, por vezes desesperad­o, sobre o mundo, do ponto de vista de uma mulher. Agora, mais do que nunca, há o apetite por esse tipo de honestidad­e e autenticid­ade —especialme­nte de uma mulher”, diz Emily Bell, editora do livro nos EUA.

Cheio de personagen­s às margens da sociedade, o livro tem muito da experiênci­a da vida da escritora.

Nascida no Alaska, Berlin passou a infância pulando de cidade, porque seu pai era um engenheiro que trabalhava na mineração. Com os pais separados, viveu com parentes, teve quatro filhos de três homens diferentes (quando o divórcio não era comum).

Foi professora, enfermeira, recepcioni­sta, telefonist­a —e, claro, faxineira. Uma grave escoliose fez com que sua espinha perfurasse um pulmão, o que a obrigou, em dado momento, a andar com um tanque de oxigênio.

O alcoolismo, mal de família, levou a escritora a “prisões, hospitais, clínicas psiquiátri­cas”, dizia Berlin. Toda essa barra pesada, porém, não tirou um sorrisinho de canto de boca que atravessa muito de seus contos.

Uma admiradora de Berlin é Lydia Davis, um dos principais nomes da ficção breve em língua inglesa. Ela assina um dos posfácios da edição. “Os contos de Lucia Berlin são elétricos, zumbem e estalam quando seus fios se tocam”, escreve ela.

“Lucia passou boa parte de sua vida às margens da sociedade. Ela andava com músicos de jazz e autores que escreviam de forma mais livre e improvisad­a”, diz o escritor Stephen Emerson, amigo da autora.

“Mas não dá para igualar o narrador de seus contos à própria autora. Eles se sobrepõem, mas não são sinônimos. Há coisas exageradas e outras coisas completame­nte inventadas.”

Emerson é o principal responsáve­l pelo resgate da obra de Berlin. Foi ele o primeiro a botar os contos debaixo do braço e a procurar um agente literário para representa­r a autora.

“As editoras grandes de Nova York eram e são relativame­nte preguiçosa­s. Elas publicam o que se assemelha ao que já conhecem”, diz ele, tentando explicar a falta de sucesso da amiga.

Quando Berlin ressurgiu, era comum que a comparasse­m a Raymond Carver e Richard Yates. Emerson, porém, compartilh­a uma carta em que ela cita sua admiração por Tchékhov:

“Ele olha para cada personagem (e animal) com absoluta compaixão, e sua generosida­de se estende ao leitor. Mesmo quando a história é triste. [... Ele se rejubila mesmo na dor dos homens.” AUTORA Lucia Berlin TRADUÇÃO Sonia Moreira EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 64,90 (536 págs.)

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

No domingo (14), a Coleção Folha Histórias de Reis, Príncipes e Princesas leva às bancas a adaptação do conto popular “O Rei e a Tartaruga”.

A professora, escritora e pesquisado­ra Susana Ventura assina a adaptação desta história originária da ilha africana São Tomé e Príncipe, onde outras histórias sobre o réptil são contadas.

Nesta, trata-se de uma tartaruga conversade­ira e bastante popular, que sempre passeava pelo palácio real. Numa dessas conversas, ela disse que seria capaz de adivinhar qualquer sonho do rei.

A notícia se espalhou até chegar aos ouvidos do monarca, que mandou chamála à sua presença.

“Bom dia, tartaruga! Soube que você disse que pode adivinhar os sonhos que me visitam à noite. Estou curioso, você pode me dizer o que sonhei na noite passada?”, perguntou o governante.

Mas será que o animal era mesmo capaz de adivinhar os sonhos reais ou seria a tartaruga uma malandra? O que acontecerá caso ela não responda corretamen­te?

Com ilustraçõe­s de Sidney Meireles, esta história vai mostrar que, embora seja lenta para andar, a tartaruga pode ser muito ligeira em questão de esperteza.

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