CRÍTICA Seleta alimenta debate sobre tradução
Com poemas de quase 40 poetas estrangeiros, ‘Lira Argenta’ tem erros e momentos excelentes
FOLHA
Celebração da poesia internacional, em edição bilíngue, sem salientar um idioma ou um período histórico, “Lira Argenta” é livro raro no panorama editorial —na quantidade e na qualidade das suas escolhas e traduções.
Nas quase 400 páginas organizadas por Vanderley Mendonça, a poesia comparece em ordem aleatória: depois de um texto em que Étienne Dolet discorre sobre “O Modo de Bem Traduzir de Uma Língua a Outra”, o leitor é apresentado a três poemas do cineasta David Lynch e, a seguir, três poemas de Charles Bukowski, cinco poemas de Heiner Müller, e assim por diante, em direção a Guido Cavalcanti, Ovídio, Paul Celan, num aglomerado salutar que se aproxima de 40 poetas.
Tarefa monumental, mas os dados foram lançados, e o livro se apresenta como matéria bruta a ser absorvida gradualmente pelos leitores de poesia (aqueles 137 no Brasil que se importam com versos, ritmo, som, imagem, ideia): mesmo porque “Lira Argenta” não tem prefácio, não exibe qualquer critério para a seleção, publica orelhas sem texto.
O livro se apresenta como reunião de plaquetas —e por isso a desigualdade é grande. As apresentações de cada poeta, por exemplo, são um caso à parte: podem ser sucintas, como no caso de Victor Hugo, e ainda assim trazer a informação de que “seu funeral foi um dos eventos públicos mais importantes depois da Revolução: 2 milhões de pessoas seguiram seu caixão em cortejo fúnebre”.
Ou não trazer data de nas- cimento e de morte de François Rabelais, apenas indicar “que viveu no século 16 e fez parte do Renascimento” (como seria diferente?), tachando o escritor de anarquista...
Enfim, o maior problema dessas apresentações erráticas é o de não explicar a escolha dos poemas traduzidos.
“Lira Argenta” reúne de tradutores novatos a veteranos como Augusto de Campos, óbvia referência na tradução de poesia. Assim, e se você for um daqueles 137 interessados, o livro poderá ser um manual de exercícios: na tornou “os policiais se entregam a seus / distintivos”... Pode existir aqui uma tara sexual, mas o correto seria “A polícia entregou seus / crachás”.
Há erros escabrosos de tradução ao longo do livro (e Vanderley Mendonça, sendo ele mesmo um editor com altos critérios, deveria ter maior atenção com a revisão do livro, pois os problemas são numerosos).
Mas há também bons e excelentes momentos, como a tradução de cinco poemas de Heiner Müller e mais cinco de Hans Arp, por Ricardo Domeneck; três poemas de Boris Vian, por Ruy Proença; dois impressionantes poemas do ucraniano Mitos Micleusanu, por Fernando Klabin; dois poemas retirados de “Charmes”, de Paul Valéry, por Álvaro Faleiros e Roberto Zular; e Vanderley Mendonça consegue ótimos resultados nos três poemas de e.e. cummings, cuja lírica amorosa é intensa.
Os poemas reunidos em “Lira Argenta” cumprem uma função essencial no debate sobre tradução: devem ser lidos, relidos, discutidos e criticados nos seus acertos e erros, nas suas soluções e nos seus impasses. A esperança é que mais de 137 pensem assim, e o livro possa mesmo se tornar uma referência no seu minúsculo, mas brilhante, campo de atuação. FELIPE FORTUNA,
A Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que acontece no fim de julho, terá uma casa para celebrar a amizade entre Jorge Amado e José Saramago.
A casa foi planejada pela Fundação José Saramago, com sede em Lisboa, em parceria com a Fundação Casa de Jorge Amado. O ministério da Cultura lusitano também está envolvido.
A ideia é também promover o contato entre autores brasileiros e de outros países lusófonos, não só na casa, mas também na programação da Flip.
Um deles é a jornalista Pilar del Río, que dirige a instituição lisboeta e foi casada com Saramago. Ela é uma das convidadas da programação principal da Flip, onde deve falar sobre militância feminina.
Também na tenda dos autores estará a escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida, sucesso em Portugal, em 2015, com “Esse Cabelo”, que será lançado no Brasil pela Leya.
Com ela, vem também o rapper angolano Lutay Beirão, que tem ocupado o noticiário dos países lusófonos desde 2015, quando foi preso, acusado de preparar um golpe contra José Eduardo dos Santos, presidente de Angola desde 1979.
À época, Beirão fez uma longa greve de fome. Ele lançará no Brasil “Sou Eu Então Mais Livre” (Tinta da China), escrito na cadeia, e “Kanguei no Maiki” (Demônio Negro). CORRESPONDÊNCIA