Rever o foro
Convém reduzir o número de autoridades julgadas pelo STF, mas medida não garante fim da impunidade nem pode ser instituída de forma açodada
Poucas iniciativas recentes do Legislativo brasileiro parecem encontrar respaldo popular tão amplo quanto a aprovação pelo Senado, em primeiro turno, do fim da prerrogativa de foro para quase todas as autoridades públicas.
A confirmar-se a decisão, apenas o presidente da República e os presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal estariam protegidos, se acusados de crimes comuns, de passar por julgamento em primeira instância.
Atualmente, mal se sabe o númeroexatodosque,emfunçãodas prerrogativas de seus cargos, só podem enfrentar processos desse tipo em tribunais superiores. Seriam, estima-se, mais de 30 mil.
Tal arranjo, sem paralelo entre os países mais conhecidos, naturalmente soa como mais um exemplo da célebre síndrome brasileira pela qual o próprio Estado divide os cidadãos entre os de primeira e aqueles de segunda classe.
Háquetomarcuidado,entretanto, com o clima de entusiasmo geral diante do fim do foro privilegiado —do qual curiosamente participam, aliás, alguns dos próprios membros do Congresso.
Existem explicações plausíveis para tão surpreendente atitude. Conforme a Lava Jato avança no Supremo Tribunal Federal, alterações na regra do foro privilegiado podem abrir a oportunidade para mais delongas processuais, remetendo-se o que já está encaminhado a um novo ponto de partida.
Quaisquer mudanças na norma deveriam, portanto, ser adotadas paulatinamente,semprejuízopara o andamento das ações em curso.
Do ponto de vista da opinião pública, o apoio ou o repúdio a julgamentos em primeira instância tende a variar conforme o momento.
Quando se julgava o mensalão no STF, sob a relatoria implacável do ministro Joaquim Barbosa, era expressivo o movimento dos que se opunham a retirar os processos da corte —cujas sentenças não dão margem a recursos.
Hoje,afiguradojuizSergioMoro alimentaaexpectativatalvezilusória de que, em qualquer vara criminal do país, o mesmo rigor punitivo se exerça contra políticos, sem empecilhos como pressões locais e estruturas deficientes.
Também deve ser levado em conta que, além dos presidentes dos Poderes, seria adequado que governadores e ministros de Estado continuassem, pela dimensão de seus cargos, a salvo de eventuais investidas arbitrárias de juízes de primeira instância.
Ressalvas feitas, a diminuição do número dos contemplados pela norma se faz, de fato, necessária.
AatribuiçãobásicadoSupremo, de guardião da constitucionalidade, parece ter-se desviado, nos últimos tempos, rumo ao exame de casos criminais para os quais o órgão não está aparelhado.
O congestionamento da corte eleva, sim, o risco de impunidade e, portanto, há que ser enfrentado. Haverá tempo e oportunidade, no Senado e na Câmara, para que se debata em profundidade a melhor forma de fazê-lo. BRASÍLIA -