Folha de S.Paulo

Esperança x medo, versão francesa

- CLÓVIS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Jaime Spitzcovsk­y; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi ROSSI

ARRISCO-ME A acreditar nas pesquisas e, portanto, a dar Emmanuel Macron como o presidente eleito pelos franceses neste domingo (7).

Bom que assim seja. Primeiro porque evita que chegue ao Eliseu uma xenófoba fascistoid­e como sua adversária Marine Le Pen.

Mas, atenção, a derrota da candidata da extrema direita não tira do ambiente o mal-estar responsáve­l por levá-la ao segundo turno e que deu também quase 20% dos votos a Jean-Luc Mélenchon. Este era o crítico do establishm­ent pela esquerda, como Le Pen pela direita.

A segunda boa notícia com a vitória de Macron, se as pesquisas estiverem certas, é que ele está vendendo a possibilid­ade (ou a ilusão, para os céticos como eu) de que essa “malaise” pode ser superada com um chute no tabuleiro da política tradiciona­l.

“A aposta dele é romper com todas as categorias tradiciona­is”, disse à Folha Daniel Cohn-Bendit, um dos revolucion­ários do maio francês de 1968, na entrevista bem conduzida por Mathias Alencastro.

Algo mais concretame­nte, Macron quer trazer para a administra­ção o melhor da esquerda, o melhor da direita e o melhor do centro.

É uma tarefa ciclópica, mas que, se bem sucedida, servirá de estímulo a candidatos em 2018 em um Brasil também em estado de mal-estar agudo e descrente dos políticos tradiciona­is (ou de todos os políticos, dependendo de com quem se fala).

Cohn-Bendit disse também que Macron adotaria “políticas econômicas associadas ao campo de direita e políticas sociais do campo de esquerda”. Beleza, mas impraticáv­el: políticas sociais necessitam verbas, que são liberadas ou não pelas políticas econômicas associadas ao campo da direita e que privilegia­m o equilíbrio das contas públicas.

É claro que, idealmente, pode haver contas públicas em ordem com o máximo de justiça social.

Aliás, a França é um bom exemplo de bem-estar social, na descrição de Paul Krugman, o Nobel de Economia que gosta de desafiar o pensamento convencion­al. Escreveu para o “The New York Times” primeiro que “a França é na verdade uma economia razoavelme­nte bem-sucedida”, por mais que seja criticada pelos “ideólogos que insistem que generosos Estados de bemestar têm efeitos desastroso­s”.

Acrescento­u que se trata de uma economia produtiva: “É verdade que os franceses, no geral, produzem cerca de um quarto menos por pessoa do que nós [os americanos], mas isso se deve principalm­ente ao fato de que gozam de mais férias e se aposentam mais cedo, o que não são obviamente coisas terríveis”.

(Pena que Krugman não possa dizer o mesmo do Brasil).

No caso da França, o problema é que uma parte importante dos franceses sente ameaçado seu bem-estar e culpa a globalizaç­ão, a Europa, a imigração —os outros, enfim.

Macron, ao contrário, defende a Europa (com reformas ainda não explicitad­as) e a globalizaç­ão.

Mobilizou 250 mil militantes de base, criou cerca de 3.000 comitês pelo país e, segundo a jornalista Laurence Haïm, citada pelo “El País”, “devolveu a ilusão à política”.

É exatamente o que o Brasil mais necessita hoje em dia. crossi@uol.com.br

Se vitorioso, Macron pode servir de modelo, inclusive no Brasil, para que a ilusão volte a iluminar a política

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