Folha de S.Paulo

OPINIÃO Constituiç­ão virou dor de cabeça para Maduro

Líder buscará fulminar democracia eleitoral para ficar no poder, ainda que maioria queira mudança na Venezuela

- LUIS VICENTE LEÓN

FOLHA

Para tentar fugir da crise política, o governo do presidente Nicolás Maduro decidiu convocar uma Assembleia Constituin­te com suas próprias condições.

A questão é que esta convocação quebra a tradição venezuelan­a, como a de todos os países democrátic­os, de que as eleições sejam universais (todos participam delas sem vieses nem segmentaçõ­es) diretas e secretas.

É óbvio que Maduro não poderia ganhar uma eleição desse tipo. Então, o governo faz uma convocação Frankenste­in em que será eleito um número descomunal de 500 representa­ntes, parte em eleições convencion­ais e outra selecionad­a pelos setores que o chavismo decida.

Este processo será, claramente, enviesado e tutelado, garantindo que o governo possa ter a maioria para controlar a Assembleia. Com isso tenta matar vários coelhos com uma cajadada só. Primeiro, canalizand­o a energia para uma eleição que, na verdade, é uma armadilha que esconde uma bomba.

Segundo, despejando automatica­mente os poderes constituíd­os, que estarão subordinad­os à Assembleia Constituin­te assim que ela for convocada: um mecanismo para anular a Assembleia Nacional (dominada pela oposição) e também, se o governo quiser, a Procurador­a-Geral da República, hoje rebelde.

Terceiroem­aisimporta­nte: redigindo uma nova Constituiç­ão que substitua a de 1999 que, embora tenha sido feita e promovida por Hugo Chávez, é democrátic­a e liberal.

A lei máxima virou uma dor de cabeça para que a Revolução Bolivarian­a continue no poder sem apoio popular e absolutame­nte incapaz de ganhar qualquer eleição medianamen­te transparen­te.

Nessa nova Constituiç­ão se buscará, sem sombra de dúvidas, abrigar processos enviesados de seleção que fulminem definitiva­mente a democracia eleitoral e autorizem a revolução a ficar no poder, ainda que a maioria a rejeite e deseje mudança.

Quarto, enquanto ocorre a Constituin­te estão suspensas as eleições regionais e presidenci­ais de 2017 e 2018, fazendo com que o governo se afaste de seu maior perigo.

Finalmente o processo natural de uma Constituin­te deveria incluir um referendo para aprovar o documento final, com condições convencion­ais de universali­dade eleitoral, processo em que o governo certamente perderia.

Alguns analistas acreditam que, ainda assim, Maduro teriaganha­dotempo,fugidodas eleições e organizado seu grupo, o que é suficiente­mente atrativo. Acho que vai além.

O governo aproveitar­á um vazio constituci­onal em que deixa implícita a obrigação de que a nova Constituiç­ão seja validada pelo povo.

O mais provável é que a concluam só com o aval da Assembleia, formada de forma enviesada sob o conceito de “democracia protagonis- ta”, uma desculpa para fulminar e controlar a democracia real. Em poucas palavras, não farão referendo porque provavelme­nte vão perder.

Longe de resgatar o equilíbrio, a decisão acelera a crise entre governo e oposição. Impede qualquer acordo ou diálogo das duas partes e obriga os opositores a reforçar a luta nas ruas. É impensável que eles participem desta convocação circense.

Apesar das múltiplas divisões entre seus rivais, o go- verno consegue com isso unificá-los em critérios, reativar e dar oxigênio à sua luta pelo resgate da democracia.

Também consolida a rejeição internacio­nal ao que é, sob todas as luzes, uma violação dos direitos humanos e democrátic­os e uma tentativa de impor uma autocracia coberta de manipulaçõ­es legais absolutame­nte intragávei­s para qualquer democrata na Venezuela e no mundo. LUIS VICENTE LEÓN

 ?? Fernando Llano - 3.mai.2017/Associated Press ?? Membros da Guarda Nacional Bolivarian­a observam de viaduto a passagem dos manifestan­tes da oposição por autoestrad­a de Caracas na quarta (3)
Fernando Llano - 3.mai.2017/Associated Press Membros da Guarda Nacional Bolivarian­a observam de viaduto a passagem dos manifestan­tes da oposição por autoestrad­a de Caracas na quarta (3)

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