OPINIÃO Constituição virou dor de cabeça para Maduro
Líder buscará fulminar democracia eleitoral para ficar no poder, ainda que maioria queira mudança na Venezuela
FOLHA
Para tentar fugir da crise política, o governo do presidente Nicolás Maduro decidiu convocar uma Assembleia Constituinte com suas próprias condições.
A questão é que esta convocação quebra a tradição venezuelana, como a de todos os países democráticos, de que as eleições sejam universais (todos participam delas sem vieses nem segmentações) diretas e secretas.
É óbvio que Maduro não poderia ganhar uma eleição desse tipo. Então, o governo faz uma convocação Frankenstein em que será eleito um número descomunal de 500 representantes, parte em eleições convencionais e outra selecionada pelos setores que o chavismo decida.
Este processo será, claramente, enviesado e tutelado, garantindo que o governo possa ter a maioria para controlar a Assembleia. Com isso tenta matar vários coelhos com uma cajadada só. Primeiro, canalizando a energia para uma eleição que, na verdade, é uma armadilha que esconde uma bomba.
Segundo, despejando automaticamente os poderes constituídos, que estarão subordinados à Assembleia Constituinte assim que ela for convocada: um mecanismo para anular a Assembleia Nacional (dominada pela oposição) e também, se o governo quiser, a Procuradora-Geral da República, hoje rebelde.
Terceiroemaisimportante: redigindo uma nova Constituição que substitua a de 1999 que, embora tenha sido feita e promovida por Hugo Chávez, é democrática e liberal.
A lei máxima virou uma dor de cabeça para que a Revolução Bolivariana continue no poder sem apoio popular e absolutamente incapaz de ganhar qualquer eleição medianamente transparente.
Nessa nova Constituição se buscará, sem sombra de dúvidas, abrigar processos enviesados de seleção que fulminem definitivamente a democracia eleitoral e autorizem a revolução a ficar no poder, ainda que a maioria a rejeite e deseje mudança.
Quarto, enquanto ocorre a Constituinte estão suspensas as eleições regionais e presidenciais de 2017 e 2018, fazendo com que o governo se afaste de seu maior perigo.
Finalmente o processo natural de uma Constituinte deveria incluir um referendo para aprovar o documento final, com condições convencionais de universalidade eleitoral, processo em que o governo certamente perderia.
Alguns analistas acreditam que, ainda assim, Maduro teriaganhadotempo,fugidodas eleições e organizado seu grupo, o que é suficientemente atrativo. Acho que vai além.
O governo aproveitará um vazio constitucional em que deixa implícita a obrigação de que a nova Constituição seja validada pelo povo.
O mais provável é que a concluam só com o aval da Assembleia, formada de forma enviesada sob o conceito de “democracia protagonis- ta”, uma desculpa para fulminar e controlar a democracia real. Em poucas palavras, não farão referendo porque provavelmente vão perder.
Longe de resgatar o equilíbrio, a decisão acelera a crise entre governo e oposição. Impede qualquer acordo ou diálogo das duas partes e obriga os opositores a reforçar a luta nas ruas. É impensável que eles participem desta convocação circense.
Apesar das múltiplas divisões entre seus rivais, o go- verno consegue com isso unificá-los em critérios, reativar e dar oxigênio à sua luta pelo resgate da democracia.
Também consolida a rejeição internacional ao que é, sob todas as luzes, uma violação dos direitos humanos e democráticos e uma tentativa de impor uma autocracia coberta de manipulações legais absolutamente intragáveis para qualquer democrata na Venezuela e no mundo. LUIS VICENTE LEÓN